Alfabetização através de cartas
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“Muitos alunos tinham passado por várias histórias de fracasso escolar e usar as mesmas estratégias não ia adiantar.”
Em tempos de redes sociais e relacionamentos virtuais, propor aos alunos uma atividade de escrita de cartas em sala de aula parece algo meio antiquado. Mas a troca de cartas pode ser um ótimo recurso para promover a leitura, escrita, troca de saberes e intercâmbio cultural entre alunos.
Pensando nisso, Fabiana Silveira e outras 4 professoras de Educação Básica de diferentes escolas públicas do país, criaram o projeto Viajando pelo Brasil através das cartas. Além de recuperar o gosto pela leitura, o projeto aproximou alunos do Rio de Janeiro, Sergipe, interior de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Brasília.
Caleidoscópio: Como surgiu a ideia?
Fabiana Silveira: Eu e mais 4 colegas participávamos de um grupo de professores no Facebook em que se discute Educação. Todas nós somos professoras de escola públicas, mas de diferentes cidades.
Depois de alguns debates neste grupo, criamos um grupo do WhatsApp e conversamos sobre a importância da escrita nos dias de hoje com as redes sociais. Muitos alunos escrevem de forma rápida, abreviada e com muitos erros. Aí surgir a ideia do projeto de alfabetização de cartas. A ideia partiu da nossa ansiedade para aprendizagem dos nossos alunos. No início, eram alunos só do 4º ano, mas agora participam alunos do 5º e 3º ano também.
C: Por que alfabetizar através das cartas?
FB: Cada uma tem um olhar. No meu caso, muitos dos meus alunos tinham passado por várias histórias de fracasso escolar e usar as mesmas estratégias não ia adiantar nada. Eles tinham que ter uma motivação e acreditar que podiam seguir em frente. Acreditar neles mesmos, sabe? Sem que eu precise ficar falando.
No início, eles não estavam habituados. Não foi fácil. A maioria não tinha o hábito de ler e escrever. Eles estranharam muito. Fui avaliando e construindo, pouco a pouco, o projeto junto com eles. Nas aulas de história, matemática e outras disciplinas, eu sempre tentava inserir o contexto das cartas.
Na leitura de uma das cartas, por exemplo, eles viram como a influência indígena atuava sobre aquela localidade. Tempos depois, durante a aula de história comecei a falar sobre a cultura indígena e relembrei a carta que havíamos lido. Aproveitei o que estava escrito na carta para apresentar a eles a própria história da cidade do Rio, além de mostrar influências indígenas em outras regiões do Brasil. A maioria deles mal saem do bairro em que nasceram, então e difícil falar de geografia. Muitos deles não conheciam a realidade do resto do Brasil e puderam conhecer um pouquinho mais através das cartas. Meu sonho é que eles consigam passear por todo Brasil e consigam vivenciar tudo aquilo que eles leem nas cartas.
Meu sonho é que eles consigam passear por todo Brasil e consigam vivenciar tudo aquilo que eles leem nas cartas.
Fabiana Silveira
C: Como funciona a troca de cartas?
FB: Construímos a primeira carta coletivamente. Cada um escreveu uma carta e nós juntos desenvolvemos. Uma aluna foi eleita para representar a turma. Já a segunda carta escrita foi feita em duplas. A minha escola trocou correspondência com a escola do Rio Grande do Sul. Aqui no Rio, nós fizemos em duplas pois alguns tinham algumas dificuldades da escrita. Começamos o projeto este ano. Em agosto, vamos escrever mais uma carta.
C: Qual a receptividade dos alunos?
FB: No início, eles achavam até que eu estava inventando. Quando chegou uma carta de Anta Gorda (RS), eles acharam o nome era tão inusitado que pensaram que era brincadeira minha.
Aqui é uma escola pública e como toda escola temos uma estrutura limitada. Quando recebermos uma carta do Sergipe eles viram que existiam escolas com uma estrutura pior do que a deles. Eles leem e imaginam. Os alunos falaram que não tem uma sala própria, quadra, refeitório ou bibliotecas. Meus alunos ficaram surpresos.
Já quando chegou uma carta de São Paulo, eles ficaram impressionados achando que ela uma escola participar. A escola fica na cidade no Leme, no interior de São Paulo, e lá eles têm aula de robótica, várias atividades pedagógicas... Uma realidade bem diferente do que vemos no nosso dia a dia daqui.
C: Como é a escolha do conteúdo das cartas?
FB: Existem temas norteadores como escola, atividades de lazer na cidade em que moram, mas a escolha do tema é feita em conjunto. Eles já fizeram uma autobiografia, uma apresentação sobre eles. A minha turma tem alunos com 9, 10 anos, mas também tenho alunos repetentes, com 13 anos. Geralmente, rsses alunos que já repetiram de ano se sentem com vergonha diante dos outros alunos.
Uma delas, por exemplo, era muito tímida, reservada, não gostava muito que olhassem o seu caderno. Com o projeto, ela foi vendo que todos nós podemos aprender juntos. Uma criança vai aprendendo junto com a outra. Tem matérias do livro que foge um pouco da realidade.
Todos nós podemos aprender juntos.
Fabiana Silveira
C: Qual o objetivo do projeto?
FB: Os jovens veem muito na TV coisas do Sudeste, mas não fazem ideia de que o Brasil é tão grande e diverso. A minha turma entende melhor dessa forma, através da troca de cartas. Até alunos que não tinham um rendimento muito bom ficaram mais motivados quando viram a repercussão do projeto. E o retorno deles de se verem, serem produtores da escrita e ver que o pessoal da comunidade têm reconhecido Eles veem a importância do estudo. Eu estou muito feliz em ver como meus alunos estão se empenhando.