“Livros foram colhidos, lidos, apreciados e compartilhados”
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Pé de Livros entre amigos
A professora Rita Mozetti, da Escola Estadual Adalgisa de São José Gualtiéri, da região de Franca, São Paulo, organizou com sua turma um “pé de livros”, que foi montado na pracinha da escola. Os livros foram pendurados nos galhos das árvores: “Livros foram colhidos, lidos, apreciados e compartilhados”.
E foi com esse pensamento que ela desenvolveu o projeto pedagógico Pé de livros entre amigos. A essência do trabalho consiste em estimular junto às suas e aos seus estudantes a leitura e o debate sobre obras clássicas da literatura brasileira e mundial. Por conta dos resultados alcançados pela turma de Rita e sua escola, o projeto foi reconhecido como um dos vencedores do Prêmio Educador Nota 10 2020.
A professora e sua turma criaram terças literárias, resenhas, recomendações e retiradas de títulos para leitura individual. O início do projeto contou com a leitura de trechos de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, para as crianças

Futura: Como se deu o planejamento para tornar mais prazerosa e estimulante a leitura de grandes obras da literatura brasileira por estudantes do 5º ano do Ensino Fundamental?
Rita Mozetti: Todo início de ano eu preparo o projeto literário que pretendemos por em prática. É o carro-chefe do meu trabalho. Nunca repito os materiais que já tenha trabalhado no passado. Para o último projeto, o Pé de Livros entre amigos, selecionei, claro, algumas obras. Comecei por Dom Quixote, por ser minha história favorita. Mas Romeu e Julieta, Hamlet, Iracema, O Guarani, Pequeno Príncipe e outros tantos também fizeram parte dos que planejei utilizar.
A partir dali, organizei os objetivos que queria alcançar com as atividades que realizaria com a turma. E decidi apresentar a ideia e os livros, primeiramente, às mães e aos pais das e dos estudantes. Elas e eles adoraram! Convidei-lhes a ler as obras. Apesar de uma certa resistência inicial, a parceria com as famílias aconteceu e tudo deu muito certo. Fizemos rodas de conversa com os familiares e estudantes na escola, pra ler e debater sobre os livros. Foram nossas terças literárias!
“Minha mãe lia muito pra mim. Isso, sem dúvida, foi a origem da minha paixão pela literatura”

Futura: Quão importante foi o envolvimento da comunidade escolar e das famílias das(dos) estudantes nas terças literárias?
Rita: O que passou a acontecer quando abrimos as portas da escola, com o pessoal da comunidade chegando, entrando no pátio escolar e participando das atividades… foi lindo demais. E aquilo tudo gerou um movimento poderoso junto aos estudantes, afetando, claro, a mim também.
Decidimos, então, ir além: um supermercado do bairro nos doou um carrinho de compras. Em seguida, conseguimos um megafone. Durante o recreio, os estudantes empurravam o carrinho, cheio de livros, e anunciavam, pelo megafone, que “o carrinho da leitura” havia chegado. Nos dias em que, por algum motivo, não conseguíamos fazer o carrinho da leitura rodar no recreio, outras turmas vinham até a porta da nossa sala perguntar a razão da ausência naquele dia.
Minha turma começou até a despertar o interesse pela literatura nas crianças menores, em sessões de leitura que aconteciam no recreio e embaixo do pé de livros.
“Com as portas da escola abertas para as terças literárias, as pessoas da comunidade também vieram e pudemos vivenciar aquilo tudo juntos”

Futura: Nas atividades que pensou para a turma, houve troca de ideias entre você e professoras(es) de outros componentes curriculares? Em que isso agregou ao processo pedagógico?
Rita: Conforme nossas atividades foram ganhando dimensões maiores na escola, outras e outros professores também se aproximaram do que estávamos fazendo. E cada vez mais estudantes passaram a participar daquele movimento pela literatura. A biblioteca da escola começou a receber muito mais gente também!
O Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp) da escola se destacou muito. E a resposta de qualquer gestor escolar para justificar índices melhores costuma começar por “investimos na leitura, em nossa biblioteca”.
“Se não envolvermos familiares e comunidade escolar com a leitura, com quem os estudantes poderão debater sobre literatura?”
Futura: Além da leitura, você percebeu que a escrita também foi positivamente impactada pelas atividades realizadas no seu projeto Pé de livros entre amigos?
Rita: Sim! E não somente a escrita: o vocabulário, o poder de concentração, até o modo de andar delas e deles mudou! Cabeça erguida, apresentando as resenhas que fizeram aos colegas. É importante que fique claro: elas e eles faziam resenhas, não apenas resumos dos livros que liam. Resumos e fichas técnicas desmotivam os alunos. Já na produção de resenhas, eles expressam opiniões, argumentam, debatem e refletem sobre a obra. Literatura é arte, portanto, precisa ser dialogada, sentida, indicada e apreciada.
O momento das resenhas literárias era muito esperado pelas(os) estudantes porque, além de ser uma síntese do que haviam compreendido sobre o livro escolhido, continha também a opinião de cada uma, cada um, sobre a história daquela obra. E tudo era lido em voz alta, debatido com a turma, envolvendo todo mundo! A partir do momento que a resenha era lida, colegas davam suas opiniões e tudo ia sendo construído coletivamente.
“A leitura conjunta, em voz alta, permitiu uma ampliação da compreensão dos livros por todas e todos”

Futura: Em tempos de pandemia, por conta do novo coronavírus, que sugestões e dicas você daria para as(os) colegas que se veem diante do desafio de trabalhar a Literatura de forma remota?
Rita: É uma tarefa desafiadora. Parto de dois alicerces: a literatura é minha aliada e a família precisa ser envolvida. Como os estudantes também precisam estar em contato com os demais componentes curriculares, temos de organizar tudo muito rapidamente, pra que elas e eles possam dar conta de tudo. Segui o caminho por onde já trilhava antes: redes sociais, Whatsapp, sugestões de leituras e discussões sobre o que haviam lido.
Neste momento, quem tem ajudado muito a gente é Fernando Sabino, com seu conto Galinha ao molho pardo. Eu lanço trechos do conto nas redes sociais, no nosso grupo da turma, como provocação. Exploro também a leitura de imagens, conectando o que elas e eles veem com o que leram. E eu não vejo como ler sem que se discuta sobre o que foi lido.
“O projeto Pé de Livros me ensinou, na prática, o que é ser uma professora mediadora”
Sobre o Prêmio Educador Nota 10
O Prêmio Educador Nota 10 foi criado em 1998 pela Fundação Victor Civita que, desde 2014, realiza a premiação em parceria com Abril, Globo e Fundação Roberto Marinho.
Reconhece e valoriza professores da Educação Infantil ao Ensino Médio e também coordenadores pedagógicos e gestores escolares de escolas públicas e privadas de todo o país.
O Prêmio tem o patrocínio da Fundação Lemann, SOMOS Educação e BDO, e o apoio da Nova Escola, Instituto Rodrigo Mendes e Unicef. Desde 2018, o Prêmio Educador Nota 10 é associado ao Global Teacher Prize, prêmio global de Educação.
Ao longo das últimas 22 edições, foram recebidos mais de 75 mil projetos, e foram premiados 241 educadores, entre professores e gestores escolares, que receberam aproximadamente R$ 2,6 milhões.