Quantas aldeias são necessárias para educar uma criança transformadora?
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"É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança". Você já deve ter ouvido esse provérbio africano em algum lugar nos últimos tempos. Ele se tornou bastante conhecido e resume uma perspectiva importante e que em muito dialoga com desafios que experienciamos na contemporaneidade. Se algumas colunas atrás discutimos sobre o projeto de homeschooling e suas problemáticas em um país tão desigual como o Brasil, na conversa deste mês quero convidar todes a pensar sobre um espaço do possível.
Acredito ser importante invocar utopias para possamos continuar vives. Por alegria do destino, tenho a oportunidade de trabalhar em um espaço em que parte principal do meu papel está em contribuir para um movimento de um mundo em que todas as pessoas se reconheçam como transformadoras. Ponto essencial da jornada de construção deste movimento reside em possibilitar que toda pessoa jovem se reconheça como agente de transformação de sua realidade, empoderada para transformar o mundo ao seu redor. Justamente expandir imaginários sobre as juventudes e seu poder transformador.
Em um encontro recente que tive a oportunidade de co-construir, ativamos junto de uma comunidade colíder o território transformador da Bahia. Imagine um território em que todas as pessoas tenham plenas condições para desenvolverem suas potências, solucionando as questões que atravessam as coletividades locais. Essa é a visão de construção de um território transformador.
Nas trocas com colíderes do território transformador da Bahia, de maneira atenta e valorosa pude escutar as palavras de Jamira Alves Muniz, educadora e articuladora cultural baiana. Em um depoimento sobre a relação de seu filho e seu neto com o mundo ao seu redor, uma fala marcante foi dita por ela "O mundo acolhe meu filho”. Nesse contexto, Jamira refletia sobre a importância de uma comunidade conectada de modo a gerar caminhos seguros para o crescimento de jovens.
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Pensar uma escola transformadora, para uma vida transformadora, para o mundo transformador é uma leitura que faço do chamado de sua fala. Na mesma direção, me pego pensando sobre a necessidade de uma Ética do Cuidado nos mais plurais âmbitos da vida em sociedade.
Se toda uma aldeia é necessária para educar uma criança, esse processo perpassa dinâmicas que transitam entre o micro e o macro. Existem diversas ações possíveis a serem tomadas de maneira organizada pela própria sociedade civil para que o mundo acolha apropriadamente nossas crianças, adolescentes e jovens em suas completudes. Ao mesmo tempo em que se faz necessário engajar intrinsecamente o poder público em ações que em última instância sempre visem o bem comum, ou como chamemos aqui, o cuidado.
As juventudes têm se sentido acolhidas no mundo atual para transformá-lo? Fica difícil responder essa pergunta de um ponto de vista que se encerre numa visão adultocêntrica. Mas quando escutamos das falas e observamos as ações de jovens mundo afora, de Greta Thunberg ao ambientalista mirim colombiano Francisco Vera até jovens meninas dos Clubes Girl Up Brasil afora que pressionaram o governo para aprovação da lei de distribuição gratuita de absorventes para pessoas que menstruam em vulnerabilidade social, pode-se dizer que mesmo longe de um mundo acolhedor, a juventudes se movem.
Há de se dizer mais, se movem justamente transformando o mundo para que ele se torne mais acolhedor para todes. Jovens que somos, já pertencemos a aldeias que nos dão nutrição para redesenhar universo que partilhamos. E se toda pessoa jovem tiver esta oportunidade? Quantas aldeias são necessárias para educar uma criança transformadora?