Notícia: Ancestralidade, poesia e jornalismo: as paixões dos apresentadores do Reload

Ancestralidade, poesia e jornalismo: as paixões dos apresentadores do Reload

Quem quer entender o que acontece no Brasil e no mundo de forma direta e descomplicada já sabe que toda sexta-feira é dia de Reload no Futura. O programa é feito por jovens para jovens e a muitas mãos: de jovens para jovens e feito a muitas mãos: os conteúdos são produzidos por dez organizações jornalísticas independentes e premiadas. Os episódios são apresentados pela dupla Junior Cardeal e Tawane Theodoro. E por trás das câmeras, o que eles andam produzindo? O Canal Futura bateu um papo com eles para conhecer um pouco mais sobre suas trajetórias. Já podemos adiantar que a arte é peça fundamental na vida dos dois.

Junior tem 27 anos e mora em Ibura, a maior favela de Recife, em Pernambuco. O jovem é apaixonado por artes e traz sua ancestralidade indígena nas suas performances artísticas. Ele explica o conceito de ser indígena em contexto urbano, assunto que ele mesmo não entendia antigamente; e através de seus parentes, ele compreendeu que indígenas e negros foram ocupando os morros e favelas e foi criado esse contexto urbano. Orgulhoso da sua história, ele é da diretoria do movimento indígena Karaxuwanassu, que representa a junção de pelo menos boa parte dos povos indígenas do Nordeste brasileiro. O movimento é regulamentado como a primeira associação indígena em contexto urbano no país.

O apresentador do Reload é amante dos esportes, não é por acaso a sua formação em Educação Física, pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. Quando criança, ele lutava judô e chegou até a ganhar um campeonato, e também sonhava ser jogador de futebol. Além dos esportes, Junior já sentia interesse pelo desenhou e grafitava. No ensino médio, ele encontrou o movimento hip hop e se encantou. E esse encontro com o grafite e hip hop faz parte da vida dele. “Eu comecei a adentrar nesse movimento e me identificar cada vez e levar essa minha ancestralidade, que eu ainda não conhecia, para os desenhos. Os artistas urbanos possuem seus personagens de acordo com a sua identidade, eu já desenhava pessoas indígenas e isso foi ficando mais forte. Hoje em dia eu faço grafites, tenho diversos personagens, mas os que eu mais faço são os meus indígenas, que eu nomeio de Guardião das vielas”, conta.

Figura 1 Junior Cardeal | Divulgação
Figura 1 Junior Cardeal | Divulgação

Mesmo com toda sua ligação com o hip hop, esporte e grafite, ele não quis parar. Ainda na faculdade, conheceu a Escola de Arte João Pernambuco, a primeira escola pública de arte da América Latina. Lá, ele começou a fazer teatro e se formou. Então foi a fundo nas linguagens artísticas, e entrou no mundo da fotografia. Com isso, ele trouxe a fotografia e audiovisual para um lado ativista, através de seus retratos, mostra a realidade das periferias e favela. “Eu percebi que dava para mostrar a realidade e denunciar muitas coisas através do audiovisual, aí eu fiz uns cursos de jornalismo comunitário, periférico, ganhei umas bolsas para produzir umas matérias”.

Com tanto no currículo, ele tenta resumir seu trabalho em uma palavra: midiartivista. “Eu tentei encaixar tudo em uma palavra só e surgiu o midiartivista, por meio das mídias visuais e da arte, eu produzo o ativismo”, explica Junior. Hoje, através de toda sua trajetória no hip hop, teatro, educação física, ele produz mutirões, filmes – com base no grafite e na realidade da favela – e consegui até produzir um mural e uma galeria urbana de arte em Ibura, que ele conta com orgulho ser o maior na comunidade. Aos risos, ele revela que sua família o define como aquele que nunca para em casa, que está cheio de “coisas para fazer”.

Junior também ressalta a importância da educação. Sua educação infantil foi toda em escola particular, em um colégio próximo de casa, onde conhecia todo mundo. Já a educação fundamental foi dividida em privada – com bolsas – e pública, quando “rolava aperto, o desemprego”. A partir da antiga 8ª série, atual nono ano, até o Ensino Médio, ele foi fruto da escola pública. Ele revela que não era muito adepto do sistema tradicional de ensino, mas sempre se interessou pelos estudos e sua casa era palco para o aprendizado. Formado no ensino superior, ele entende que é necessário dar o seu retorno e hoje é professor na Rede de Ensino do Cabo de Santo Agostinho.

“É um desafio que eu encaro como uma missão porque eu percebo que dá para gente conseguir oferecer um pouco mais e trazer a vontade dos alunos de estudar, porque hoje isso não é incentivado pelo governo. Essa luta de querer ver o mundo melhor, mesmo que não seja para a gente ver, seja para os outros”, defende ele.

Assim como Junior, Tawane Theodoro também tem sua história contada através da arte e do esporte. Desde os oito anos, ela jogava basquete, por conta disso, ela explica ter uma disciplina ímpar. Além de pais que cobravam por notas boas, ela recebia um auxílio por conta do esporte, e caso houvesse notas baixas, ela estava suspensa de jogos, se repetisse de ano, era necessário sair da equipe. “Eu peguei muito essa disciplina do esporte. Então na escola eu consegui me desenvolver bem”. Contudo, ela entende a defasagem da escola pública comparada a escolas particulares.

“Eu parei de jogar em time profissional aos 16 anos, no mesmo ano que eu parei, eu comecei na poesia. Eu falo que sou composta de basquete e poesia. E o esporte, além da disciplina que você tem que ter dentro de quadra, ele te ensina a viver. O basquete foi um transformador muito grande na minha vida”, conta ela.

Tawane é uma das fundadoras do Slam do Bronx e ficou na organização do projeto até janeiro deste ano. Ela explica que o slam é uma competição de poesias faladas, que são textos de autoria própria e sem nenhum tipo de acompanhamento musical. Como ela revela, hoje em dia, há mais de 200 grupos de slam espalhados pelo Brasil. A arte da poesia falada entrou em sua vida na época do pré-vestibular, quando seus professores frequentavam saraus e concursos. Em uma ida despretensiosa para assistir, ela se apaixonou e se encontrou dentro do mundo da poesia falada. “O slam me abriu para o mundo”. Através das suas escritas, ela traz causas sociais e reflexões.

Mulher negra, de cabelo escuros e ondulados com um microfone na mão.
Figura 2 Tawane Theodoro Foto: Sérgio Silva

Em seu livro de poesias “Afrofênix: A fúria negra ressurge”, ela descreve como é ser uma mulher preta de quebrada. Nascida e criada na Zona Sul de São Paulo, ela conta suas lutas e descreve que “entendendo esses processos, porque são difíceis quando você se identifica dentro de uma minoria, você entende que vai ter que lutar para sempre”, mas não desanima. Ela segue através das palavras e da arte da poesia. O segundo livro será lançado em breve.

Aos 23 anos, é formada em Nutrição pela Universidade Paulista (UNIP). Por enquanto, ela ainda não atua na profissão porque está focada nas artes, mas não descarta a possibilidade para um futuro próximo. Ela revela que é determinada e sempre busca alcançar todos seus objetivos, mas a autocobrança também é muito forte. E que sua família é essencial em sua vida.

Reload nos bastidores

Quem vê Tawane com tanta desenvoltura na frente das câmeras, não imagina que no fundo ela é bem tímida. “O Reload abre outra porta da minha vida. Eu já trabalhava como mestre de cerimônia do Slam, mas não chega nem perto de apresentadora. Eu sentia aquele frio na barriga, mas eu gostei muito e me encontrei”.

Para ela, além de todos os assuntos que o programa proporciona, o Reload também trouxe um aprendizado do audiovisual, da parte mais técnica, e como ser apresentadora. Ela também fica grata por sempre poder ficar livre na forma de apresentar e falar da maneira que a deixa mais confortável.

Apresentadores do Reload no Futura
Figura 3 Thawane Theodoro e Junior Cardeal – Divulgação

Junior explica que gravar o Reload foi incrível e alcançou espaços e conheceu pessoas que não imaginava. Ele explica que além de trabalhar com pessoas incríveis, a ideia da diversidade trazida pelo programa também foi muito satisfatória.

“O jornalismo independente mostra o que ninguém quer mostrar, esse papel do jornalismo independente, para mim, é uma lição. Eu me surpreendi com determinados dados, até mesmo com as causas indígenas, da arte, em movimentos que eu estou incluído”, conta ele sobre os temas do Reload.

A série pode ser assistida no Canal Futura, às sextas-feiras, 21h, ou pelas plataformas Globoplay , Canais Globo e no YouTube do Futura.

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