Notícia: Educação 360 – 1º dia: “Na área de educação, por que não estar se não for para transbordar?”

Educação 360 – 1º dia: “Na área de educação, por que não estar se não for para transbordar?”

Começou nesta terça, a 7ª edição do Educação 360. Esta é a primeira edição totalmente online do evento que reúne especialistas e pensadores do mundo inteiro para refletir sobre práticas inovadoras sobre a Educação, sob diferentes olhares. O Educação 360 é uma iniciativa dos jornais O Globo e Extra e conta com o apoio da Fundação Roberto Marinho e do Canal Futura para a sua realização.

O 1º dia do Educação 360 propôs reflexões sobre os impactos da pandemia na área da educação, o combate às desigualdades de ensino e à evasão escolar, a reabertura das escolas e o legado da pandemia. Para debater sobre estes e outros temas nomes de peso como Claudia Uribe (Unesco), Priscila Cruz (Todos pela Educação), Cecília Mota (Consed), Mozart Ramos (CNE) e Mário Sérgio Cortella, escritor e filósofo. A mediação foi do jornalista Antonio Gois.

A Educação num mundo pós-covid e o impacto da pandemia na América Latina

Para inaugurar o evento, a diretora de Educação da Unesco América Latina, Claudia Uribe, debateu sobre o impacto da pandemia na América Latina: as consequências sociais e educacionais dessa crise sem precedentes para os habitantes da região.

Imagem de uma mulher branca, na casa dos 50 anos, com cabelos castanhos soltos e óculos de grau

Cláudia é diretora do Escritório Regional de Educação da UNESCO para a América Latina e Caribe e Representante para o Chile. É antropóloga e possui mestrado e doutorado em Educação pela Harvard University. Dedicou os últimos 25 anos na melhoria da qualidade e a equidade nos sistemas educacionais.

A diretora comentou que a Unesco está fazendo consultas online para escutar povos do mundo inteiro sobre a situação em que vivem durante a pandemia. E a maioria dos pesquisados respondem que suas prioridades são ter acesso aos serviços básicos como saúde, água, saneamento e também educação.

“50% dos estudantes do mundo não conseguiram os requisitos mínimos para estudar remotamente.”

“O que estamos fazendo ou deixando de fazer agora terá consequências educacionais no futuro. Não podemos de deixar de fazer esforços para a reabertura das escolas de forma segura e recuperar aqueles que ficaram para trás ou que abandonam os estudos. Se não fizermos isso, as desigualdades irão aumentar.”, alerta Claudia.

Radiografia do momento, o urgente e o essencial

A segunda palestra do dia propôs reflexões sobre a educação pública em tempos de pandemia. Como gestores podem avaliar a resposta dos sistemas à crise sanitária? O que podemos aprender para aperfeiçoar as políticas e as práticas educacionais? Como conciliar o essencial e o urgente? E como será a reabertura das escolas?

Participaram desta reflexão Cecília Mota, presidente do Conselho Nacional dos Secretários da Educação (Consed); Priscila Cruz, presente-executiva do Todos Pela Educação; Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime);  Luiz Roberto Curi, conselheiro da Câmara da Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE);  Mozart Neves Ramos, membro do Conselho Nacional de Educação e Sandro Bonás, CEO da Conexia Educação. O mediador foi o jornalista Antonio Gois.

Print de uma tela mostrando uma vídeo conferência, com sete pessoas, cada uma em seu respectivo computador

O debate foi pautado em torno de eixos como retorno às aulas presenciais, riscos da evasão escolar em 2021, formação de professores, intersetorialidade na educação e o legado da pandemia.

Reabertura das escolas

Cecília Mota alertou para o processo de reabertura das escolas e disse que as medidas de reabertura devem ser todas em conjunto, de forma colaborativa, entre municípios, estados e governo federal.

Mota também manifestou preocupação sobre as condições de acesso à internet pelos estudantes: “A falta de conectividade aumentou muito a desigualdade nos tempos de pandemia. É urgente e essencial que a conectividade para todos seja uma política de estado. Não podemos pensar numa educação em que a criança não tenha acesso a conectividade para realizar uma pesquisa.”, ressalta a presidente do Consed.

“Não podemos pensar numa educação em que a criança não tenha acesso a conectividade para realizar uma pesquisa.”

Já Sandro Bonás defende que é preciso um olhar mais individualizado para cada escola ou município: “Muitas escolas privadas já têm protocolos sanitários e planejamento robustos e configurados para a retomada. Os estados, às vezes, acabam bloqueando a volta de todas as escolas. Nem todos os municípios e estados estão preparados para um retorno seguro, mas o setor privado já tem um protocolo seguro sobre o retorno às aulas em muitas cidades.”, defende o CEO da Conexia Educação.

Para Luiz Roberto Curi, a reorganização no processo de volta às aulas não pode romper com o curso do que foi feito antes das atividades remotas ou não presenciais: “Precisamos preservar o processo de continuidade no aprendizado e entender que a escola que os estudantes e professores vão encontrar não é a escola que eles deixaram.”, ressalta Curi.

Imagem de uma casa de madeira bem humilde. É uma casa na cor de rosa e com um varal de roupas pendurado do lado de fora. Na imagem podemos perceber que a casa foi construída sobre a água e há crianças e adultos interagindo do lado de fora, trajando roupas humildes
“A falta de conectividade aumentou muito a desigualdade nos tempos de pandemia. É urgente e essencial que a conectividade para todos seja uma política de estado.”, defende Cecília Mota, presidente do Consed.

Evasão Escolar e Pandemia

Mozart Neves afirma que a evasão já era grande antes da pandemia e demonstra preocupação em como será em 2021: “ 500 mil jovens que já abandonavam o Ensino Médio. Já perdíamos 3,2 bilhões de reais com a evasão. O Brasil está vivendo uma alteração profunda na pirâmide democrática. Estamos precisando de jovens muito bem preparados para que o Brasil possa ter a riqueza necessária para poder sustentar o corpo da pirâmide. ”, defende Mozart.

Priscila Cruz pondera que para combater a evasão é preciso entender as razões que levam os jovens do Ensino Médio a abandonarem a escola: “Para o aluno que evade porque precisa complementar a renda da família, a educação profissional pode ser uma solução. Já para as meninas que evadem devido a gravidez precoce, é preciso uma solução completamente diferente como uma creche para que elas voltem a estudar, por exemplo. ”, pondera a presidente do Todos pela Educação.

Para Priscila, o mais preocupante são os jovens que evadem devido ao desinteresse e talvez não voltem a estudar após a reabertura das escolas: “30% [dos estudantes] já apontaram possibilidade de não voltar aos estudos. Como podemos passar uma tranquilidade aos alunos de que vai haver uma retomada? ”, questiona.

“30% [dos estudantes] já apontaram possibilidade de não voltar aos estudos. Como podemos passar uma tranquilidade aos alunos de que vai haver uma retomada?”

Uma das alterativas citadas por ela é criar um 4º ano do Ensino Médio, tal como tem sido feito no Maranhão em em São Paulo: “Se expandimos o Ensino Médio para 4 anos podemos expandir o horizonte do jovem para que ele volte no próximo ano. ”, afirma Priscila.

Intersetorialidade na educação e o legado da pandemia

Apesar das diferentes questões e preocupações educacionais que se agravaram durante a pandemia, Luiz Miguel Martins acredita que houve um processo de aproximação da escola e da família neste período e a discussão sobre educação integral avançou: “2021 jamais será um ano perdido! Este talvez seja o ano de maior aprendizagem e estamos prontos para esse novo desafio.”, acredita o presidente da Undime.

Ele também afirma que os gestores e educadores devem encorajar os alunos: “Nós temos que mostrar que se, por um lado, eles não aprenderam uma determinada equação matemática, por outro lado, aprenderam muitas outras habilidades socioemocionais, como resiliência e paciência, que são também fundamentais para a aprendizagem. ”, defende Luiz Miguel.

“Se, por um lado, eles não aprenderam uma determinada equação matemática, por outro lado, aprenderam muitas outras habilidades socioemocionais, como resiliência e paciência, que são também fundamentais para a aprendizagem.”

Priscila Cruz defende que o maior legado da pandemia é a articulação e colaboração: “Dentro do Poder Executivo, é preciso pensar fóruns tripartites, fóruns bipartistes (estados e municípios) e arranjos educacionais entre os municípios, além da colaboração entre estados. Além disso, é importante ressaltar que temos uma calda longa de atores fora da gestão da educação como imprensa, as famílias, empresas, Ministério Público, Tribunal de Contas, etc.”

Cecília Mota defende que para o regime de colaboração mais efetivo só falta a participação do Sistema Nacional de Educação: “ Nunca conversei tanto com secretários do município do meu estado e com a Undime. No entanto, o regime colaborativo deve envolver as 3 instâncias: municipal, regional e federal., pontua.

Mozart Ramos acredita que para a melhoria do Ensino Básico é fundamental um regime de colaboração entre universidades (público e privadas) tendo como ponto central a formação de professores: “Acredito que deve ter um instituto de formação básica dentro das universidades com objetivo de trazer professores inspiradores da educação básica para dar visão do chão de escola aos docentes em formação. “, pontua Mozart.

Avaliação, Equidade e Transformação Social

A terceira palestra do dia trouxe a visão de Jara Dean-Coffey, fundadora e diretora da Equitable Evaluation Initiative, para debater como a avaliação pode maximizar o impacto de uma iniciativa em educação. Muitas vezes, a forma como os dados e informações são usados, inadvertidamente, pode reforçar as desigualdades que se busca eliminar.

Print de uma tela mostrando uma mulher negra em uma chamada de vídeo

Jara se dedica a coliderar, colaborar e a codesenvolver a iniciativa de avaliação equitativa da educação com líderes de diferentes setores e disciplinas e deixou muita vivências e ensinamentos em seu talk.

Nos últimos 25 anos, ela tem realizado parcerias para levar conhecimento coletivo sobre a relação entre valor, contexto, estratégia e avaliação, mudando suas práticas de modo que esses profissionais possam ser mais assertivos no trabalho pela equidade na educação.” – Antonio Gois, colunista do Globo e mediador do primeiro dia de evento.

A emergência de múltiplos paradigmas: novos tempos, novas atitudes

Para encerrar o 1º dia do Educação 360 com chave de ouro nada melhor do que as sábias palavras do filósofo e escritor Mário Sérgio Cortella.

Print de uma tela mostrando uma vídeo conferência, com duas pessoas, cada uma em seu respectivo computador

“Navegar é preciso, viver não é preciso!”

Cortella iniciou a sua palestra falando sobre citando a famosa frase “Navegar é preciso, viver não é preciso!” Eternizada nos versos de Fernando Pessoa e musicada por Caetano Veloso, a frase é de autoria do general romano Pompeu, que no século I a.C. a usava para encorajar marinheiros receosos.

Mário Cortella então fez uma associação da frase com os tempos atuais. Navegar é preciso? Viver não é preciso? Ele esclarece: “A ideia do preciso aí pode não ser uma necessidade, mas uma habilidade, precisão. Sendo assim, não temos toda habilidade para saber como viver, pois a vida traz estupendas emoções, não é precisa, não é exata. Já para navegar exige uma precisão, uma capacidade técnica.”, explica o filósofo.

Cortella destaca que estamos vivendo uma época em que precisamos lidar com o indefinido, o que é impreciso, incerto: “Há necessidade de aprender a lidar com algo que não conhecíamos, não só o vírus, mas a capacidade de impedir que a desigualdade seja ainda mais agravada, novas configurações escolares, etc.”

Humildade intelectual

Com 46 anos de docência, Mário Cortella comentou que durante a pandemia tem conversado com muitos colegas e educadores de diferentes instituições de ensino e, muitos deles, de escola pública. E notou que eles falam o seguinte: “Nem os que tem mais idade não são tão fracos no uso de tecnologia quanto achavam que fossem e nem as pessoas mais novas são tão experientes quanto imaginavam em termos de tecnologias. Estamos aprendemos juntos. ”

Diante disso, a aprendizagem coletiva talvez seja um dos maiores legados dessa pandemia: “Nós temos que lidar à tona com a questão da humildade intelectual. Antes da pandemia, estávamos habituados a soluções muito mais velozes a nossas necessidades. Nós temos em 2020 uma situação em que aprendemos a fazer enquanto fazemos e isso exige humildade. ”, destaca o escritor.

E daqui para frente?

“Quando me perguntam como eu chegar após essa pandemia? Eu respondo o seguinte: eu quero chegar sem estar envergonhado de ter atravessado sozinho e ter deixado para trás pessoas que tinham algum tipo de necessidade ou auxilio. ” Cortella reforça a necessidade de atuarmos de forma coletiva diante das dificuldades: “Precisamos substituir o ultrapassado Cada um por si e Deus por todos“ por ‘Um por todos e todos por um’. “

“Precisamos substituir o ultrapassado ‘cada um por si e Deus por todos’ por ‘Um por todos e todos por um’.”

Cortella acredita que, após a pandemia, não seremos mais as mesmas pessoas de antes e temos que deixar para trás aquilo que não mais cabe: “A nossa praticidade não pode nos deixar conformados tal como quando colocamos uma água num copo e ela altera sua forma, assumindo a forma do copo. Na área de educação, por que não estar se não for para transbordar? ”, questiona.

O filósofo Mário Sérgio Cortella cita o ator francês Pierre Dac, famoso no século XX, que dizia que “o futuro é o passado em preparação” e provoca: “Como em 2040, 2050, vão olhar para o momento que estamos passando hoje? Quando nos juntamos, nos juntamos para preparar um passado que nos honre. Precisamos aprender juntos, exige uma postura dialógica. Navegar preciso, viver não é preciso! ”

“Qual razão de fazermos o que fazemos?”

Cortella fez este questionamento para provocar professores e professoras na reabertura das escolas e afirmou que os educadores precisarão ser fortes para amparar seus alunos: “A maior dificuldade do retorno às atividades presenciais não será a recuperação de natureza cognitiva do conteúdo técnico cientifico, mas sim os lutos. Não são apenas os lutos de perdas de pessoas, mas perdas em geral: perda de confiança, perda de empregos, perda de interesses, perda de convivência. ”, ressalta o escritor.

E ele continua: “E aí que temos que pensar ‘Qual a razão de fazermos o que fazermos?’ Nós só temos uma alternativa: juntarmos nossas energias e entendemos que grande parte das crianças e jovens só terão os professores para contar. Nós, professores, teremos que ser mais fortes. (…) Paulo Freire diz que temos que temos que ter esperança, mas do verbo esperançar, se juntar, ir atrás e não desistir. E não esperança do verbo esperar. ” , completa.

“Paulo Freire diz que temos que temos que ter esperança, mas do verbo esperançar, se juntar, ir atrás e não desistir. E não esperança do verbo esperar.”

O escritor finaliza a palestra deixando uma mensagem de esperança: “Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come. Mas se juntar o bicho foge! E é por isso que a gente se junta para sonhar, para persistir. Podemos até ficar cansados, mas acovardados jamais!”

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