Notícia: Educação 360 – 3º dia:”O desafio mais importante para a educação é preparar uma geração que seja capaz de enfrentar com sucesso a crise climática.”

Educação 360 – 3º dia:”O desafio mais importante para a educação é preparar uma geração que seja capaz de enfrentar com sucesso a crise climática.”

No terceiro e último dia de evento, o Educação 360 falou sobre a importância da Educação na agenda climática, combate às desigualdades sociais e ao racismo, além da representatividade de mulheres na ciência e perspectivas para o futuro da educação do planeta pós-pandemia.

O Educação 360 é uma iniciativa dos jornais O Globo e Extra. Esta edição foi a primeira totalmente online e conta com o apoio da Fundação Roberto Marinho e do Canal Futura para a sua realização.

As mesas desta quinta-feira, 01, tiveram mediação de Guilherme Amado, jornalista da Revista Época e quem abriu a conversa foi o filósofo e educador colombiano Bernardo Toro, diretor da Fundação ANVINA:

“Nós educadores temos dois grandes desafios nesse momento: como a gente vai formar essa geração atual que estamos educando, como a gente vai formar para poder enfrentar o desafio mais importante que é a crise climática e a outra que é eleger a democracia.”

Print de uma videoaula. Aparece um senhor calvo com cabelos brancos nas laterais da cabeça, óculos de grau e

Toro alertou sobre as urgências climáticas e a importância do cuidado para a educação: “A pandemia está ensinando a todos nós com muita clareza a importância de saber cuidar de nós mesmos, saber cuidar das pessoas que estão próximas de nós, as que não conhecemos, e principalmente a importância de saber cuidar do planeta.”

Repensar o ensino para um futuro melhor

O filósofo colombiano lembrou que a grade curricular das escolas brasileiras e da América Latina em geral foi criada sob o paradigma da acumulação de riqueza, bens, poder e sucesso. Para ele, agora é o momento de repensar o que ensinamos às crianças e as prioridades da educação.

“Nesse momento a espécie humana está em risco. O problema do aquecimento global, assim como o Coronavírus, não é um problema que atinge alguém devido à raça, afiliação política ou religião. Estamos afetados como espécie humana, isso é importante ser entendido. Esse impacto está atingindo todo mundo. Se a gente não consegue atuar não como brasileiro, colombiano, africano, mas como espécie humana, a gente não vai conseguir ter as condições de enfrentar os desafios que vem não somente pela pandemia, mas pela crise do clima. Como educadores, a gente tem que entender que a nossa educação tem que apontar para integrar a espécie. O desafio mais importante para a educação é preparar uma geração que seja capaz de enfrentar com sucesso o desafio da crise climática.”

Mudanças na grade curricular

Toro propôs uma reestruturação no currículo dos alunos com o objetivo de desenvolver as competências de colaboração e cooperação dos seres humanos. Ele acredita que essa é uma mudança de mentalidade que o sistema educativo tem que ter para criar uma geração que seja capaz de enfrentar a crise climática. E por isso, aprender o cuidado é fundamental.

“A pandemia nos ensinou que podemos viver sem um monte de coisas e que precisamos de muitas coisas que não estamos produzindo de forma suficiente, como cuidados médicos. Temos que aprender a cuidar do que não conhecemos. Como um professor de São Paulo vai cuidar de uma criança do Amazonas ou Amapá? Cuidando do mundo. Temos que cuidar dos bens públicos e acima de tudo os bens ecossistêmicos do planeta: o ar, a água, as sementes, genética, ciclo reprodutivo, a natureza, o que torna possível a vida.”

Print de uma tela mostrando uma vídeo conferência, com cinco pessoas, cada uma em seu respectivo computador

O que será o amanhã?

Em sequência ao alerta feito diretamente aos educadores por Bernardo Toro, foram convidados a uma mesa de debate sobre o futuro pós-pandemia o líder indígena Ailton Krenak, a filósofa, poeta e psicanalista Viviane Mosé, o filósofo e ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro e o neurocientista Sidarta Ribeiro.

“Estamos vivendo um desmonte do Estado por agentes do Estado, isso especificamente impacta a Educação e a pandemia faz isso tudo agravar porque a distância entre pobres e ricos está só aumentando”, alerta Sidarta, que lembrou as disparidades de acesso à tecnologia entre estudantes de escolas públicas e privadas.

“Não é hora de conteúdo, não é hora de Português ou Matemática”, argumentou Viviane Mosé, que acredita em um aprendizado diferente para os estudantes. “O ano não é um ano perdido, como acreditam muitos, é bem proveitoso. O sofrimento nos ensina muito, bem mais que a alegria. Mas o aprendizado desse ano é o aprendizado da colaboração, compartilhamento, da modéstia, da consciência da fragilidade da civilização”, reitera.

Volta às aulas

Sobre o retorno das aulas presenciais, a filósofa acredita que a primeira coisa que os educadores precisam fazer é pensar em atividades de acolhimento e reflexão sobre o momento. 

“O coronavírus vem desfazendo qualquer lógica. Ele desautoriza nossa capacidade técnica de ciência, filosofia e arte. Proteger o meio ambiente está errado. Eu sou o meio-ambiente. Não é hora de colocar conteúdo, caixas para as crianças decorarem, aprenderem, temos que estimular as crianças à vida e a vida tem perdas, limites, etc.”, disse Viviane.

Renato Janine concordou com a importância de falar sobre o período da quarentena assim que as aulas retornarem ao modo presencial. Para ele, vivemos um trauma coletivo e é importante que as instituições escolares e também os ambientes de trabalho acolham e reflitam sobre este momento antes de voltar às atividades normais: “Preparar para a cooperação, aprender com a restrição e antes de tudo dar voz ao sofrimento, porque não se supera sem uma catarse. Não dá para encarar de uma maneira técnica”.

Para o ex-ministro da educação, outro ponto inegociável é promover ambientes seguros que não coloque em risco as vidas de estudantes, professores e funcionários da escola.

“As escolas estão sendo preparadas para isso? O ministério (da Educação) deveria estar capitaneando isso. Nós ficamos três meses acima de 1000 mortes por dia e com provável subnotificação. Hoje estamos com média de 800 mortes e não diminui”, diz.

A conversa ainda passou pela manipulação de dados na internet e o descaso do atual governo com a ciência. “Eu vejo com uma enorme preocupação que a gestão da pandemia não seja a gestão que a OMS fala. É patético o que está acontecendo. Levou aos limites a configuração da figura do líder”, argumentou Sidarta.

Aílton Krenak também acredita que não se deve retomar aulas baseadas no mesmo modelo educacional em que a gente vivia até o ano passado. Ele falou da não obrigatoriedade de ensinar a história dos povos indígenas nas salas de aula brasileiras e lembrou que a situação dos povos indígenas já urge antes do Coronavírus chegar ao Brasil. “Nós, povos originários, reivindicamos o direito de conviver com os estrangeiros que vieram para cá. Ficamos refugiados no nosso próprio território”. Ele ainda destacou a importância do coletivo, que deve ser visto independente das fronteiras das nações.

“Temos um prédio em ruínas e um em construção e eles são o mesmo. Nós temos que participar da vida e não tentar controlá-la” – Viviane Mosé

Para Mosé, vivemos em uma sociedade da exclusão e estamos em um momento chave para construir novos modelos de participação e cooperação: “Ou a gente entende essa pandemia como ponto de virada ou talvez a gente não consiga sobreviver”.

Print de uma tela mostrando uma vídeo conferência, com três pessoas, cada uma em seu respectivo computador

Mulheres na Ciência

O evento Educação 360 ainda contou com uma conversa entre as duas brasileiras que se destacaram no sequenciamento do Coronavírus. A pesquisadora Jaqueline de Jesus e a professora Ester Sabino, ambas do Instituto de Medicina Tropical da USP, falaram da importância de estimular mulheres e jovens a se engajarem nas carreiras científicas.

“Eu tenho recebido muitos feedbacks positivos de meninas que estavam pensando em desistir da carreira científica e que depois da nossa divulgação como grupo majoritariamente composto por mulheres acabaram se inspirando de volta e vislumbram uma carreira científica”, contou Jaqueline. 

Ester defendeu uma Ciência Participativa para incentivar crianças e jovens a se aproximar da matéria. Para ela, devemos instigar o estudante a pensar a partir do método científico, pesquisar sobre coisas ao seu redor, colher dados com ferramentas do dia a dia e, por fim, elaborar uma conclusão.

Print de uma tela mostrando uma vídeo conferência, com três pessoas, cada uma em seu respectivo computador

Voltar ao normal ou fazer diferente?

Na última mesa desta edição, o ministro do STF Luís Roberto Barroso e o superintendente-executivo do Instituto Unibanco Ricardo Henriques conversaram sobre as necessidades da agenda pós-crise.

O ministro Barroso, que é também professor universitário da UERJ, enumerou o que pra ele são os três principais desafios brasileiros a educação:

A não alfabetização da criança na idade certa, que também tem consequências na defasagem aluno-série
A evasão escolar no Ensino Médio, que deve aumentar ainda mais por causa da pandemia.
O déficit de aprendizado de estudantes que completaram o Ensino Fundamental ou Médio e não obtiveram o conhecimento mínimo necessário para esse período.

‘Falsa prioridade’

Para ele, a educação é uma “falsa prioridade” no Brasil. “Nos últimos 7 anos já tivemos 7 ministros da educação. Não há política pública que resista”, disse, defendendo a criação de estratégias suprapartidárias. Barroso concluiu: “Não é só de investimento, é gestão e motivação, engajamento. É preciso criar um plano nacional de curto, médio e longo prazo para a Educação Básica”.

Outra necessidade urgente para a educação, segundo o ministro do STF, é oferecer educação em tempo integral, investir em educação infantil e valorizar a profissão de professor. “É preciso que o magistério de Ensino Básico seja tratado como uma das principais profissões do país, como de fato é. É preciso dar prestígio e distinção, além de boas condições de trabalho, para quem resolve se dedicar à Educação Básica”, afirmou.

Ricardo Henriques defendeu a importância de que a pauta educacional esteja no dia a dia da população: “Temos que conversar nos almoços de domingo sobre os desafios da educação”. Para ele, as desigualdades na educação são anteriores à pandemia e precisam ser enfrentadas.

“É fundamental um novo contrato social que atue contra o racismo. Enquanto houver racismo não haverá educação no Brasil. A educação precisa ser universal com uma agenda de equidade. É missão da escola reduzir a desigualdade e a gente precisa ter essa estratégia explícita de equidade e educação”, concluiu.

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