A democracia precisa de especialistas? E os especialistas precisam da democracia?
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Negacionismo e Autoritarismo: não é coincidência
Negacionismo e Autoritarismo: não é coincidência. No excelente artigo A Queda dos Experts, Tatiana Roque analisa o processo de desgaste e perda de credibilidade dos “experts” na sociedade contemporânea, trazendo estudos, livros e pesquisas de opinião sobre o assunto e apontando a relação desse fenômeno mundial com a adoção de posturas e discursos negacionistas (que se recusam a aceitar afirmações embasadas em evidências científicas) por grupos e atores políticos de caráter autoritário.
O contexto contemporâneo de alta complexidade, com escolhas coletivas difíceis e urgentes, torna-se cada vez mais desfavorável para construção de bases de apoio na opinião pública às decisões políticas.
Estamos diante do que cientistas sociais denominam de crise dos mediadores. Os antes chamados “formadores de opinião verticais” não conseguem mais exercer o papel de organizadores de informação e propositores de cenários e alternativas para debate da sociedade. E os “formadores de opinião horizontais” (pessoas que exercem influência no grupo próximo de sua convivência) já não compartilham as mesmas fontes de informação, ficando restritos às suas “bolhas”.
Enquanto formadores de opinião verticais (incluindo os experts) e horizontais têm sua influência diminuída, entram em jogo os “chefes virtuais”, como explica Lilia Schwarcz em Sobre o autoritarismo brasileiro, sem nenhum compromisso com o bem comum, que se apresentam como donos da verdade diante dos medos e incertezas da sociedade.
Precisamos (com)viver com(s)ciência
Uma das formas, segundo Tatiana Roque, para recuperar a confiança nos “mediadores entre a ciência e a política, entre o conhecimento científico e a vida pública” é justamente ampliar a transparência e a participação das pessoas no debate, ou seja, fortalecer os pilares da democracia. Ela cita processos de deliberação cidadã, como a Convenção Nacional sobre Mudanças Climáticas na França, entre as novidades promissoras na democracia e na disseminação científica.
Diversas experiências relevantes envolvendo Conhecimento Científico, Tecnológico e Participação Cidadã vem sendo desenvolvidas pelo mundo, desde projetos como as Avaliações Tecnológicas Participativas Participatory technology assessment (pTA) nos EUA, ou iniciativas sobre edição do genoma pelo Danish Board of Technology, até a integração de oficinas participativas, laboratórios e hackatons na elaboração de propostas arquitetônicas, urbanísticas e de mobilidade nas nossas cidades.
Precisamos criar um ambiente democrático em que evidências científicas sejam base para o debate, mas que não sejam usadas como justificativa para a “palavra final” em decisões políticas que, muitas vezes, tem que ser tomadas quando ainda não houve tempo para consolidar o conhecimento e, sobretudo, quando os benefícios desse conhecimento não estão distribuídos e reconhecidos amplamente na sociedade.