Espiral do Silêncio e Liberdade de Expressão: fronteiras entre a civilização e a barbárie
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A teoria da Espiral do Silêncio foi apresentada em 1972 pela alemã Elisabeth Noelle-Neumann, a partir de uma série de pesquisas desenvolvidas no respeitado Institut fur Demoskopie Allensbach, com o intuito de entender a surpresa das urnas de 1965, como conta a própria autora nesse artigo, Pesquisa eleitoral e clima de opinião.
A Espiral do Silêncio parte da premissa de que indivíduos temem o isolamento social e, por isso, desenvolvem uma espécie de “pele estatística” que permite aferir o clima de opinião em torno e adaptar-se, expressando publicamente uma opinião quando está de acordo com a maioria ou, se em desacordo, ficando em silêncio.
Tudo foi empiricamente comprovado em experimentos fascinantes, como “o teste do trem”: o entrevistado estaria disposto a trocar ideias com outro passageiro de opinião contrária à sua num assunto polêmico? Os pesquisadores verificaram que um dos grupos de opinião tinha mais vontade de conversar do que outro e a disposição crescia quanto mais majoritário. Como sintetiza bem um dos subtítulos do livro: “Solta-se o verbo quando se sente que está em harmonia com o espírito de seu tempo”.
Muito além de seu interesse para os prognósticos eleitorais, a teoria da Espiral do Silêncio nos traz alguns alertas fundamentais em tempos que parecem nos assombrar com fantasmas do nazismo e da barbárie:
· Ao disseminarmos uma ideia ou comportamento que viola normas sociais (ainda que nos oponhamos a eles) sem censurá-los publica e energicamente, estamos (mesmo sem querer) os tornando mais aceitáveis.
· As pessoas perdem o jeito de defender comportamentos há muito tempo estabelecidos como corretos (por exemplo: tomar banho regularmente ou mesmo “não matarás”) e, se confrontados por alguém contrário, se sentem menos propensas a defender sua posição.
· Os meios de comunicação têm a função importante de fazer circular palavras e frases que possam ser usadas para defender um ponto de vista. Se as pessoas não encontram facilmente essas expressões, elas tendem a ficar em silêncio.
Liberdade de expressão, Núcleos Duros e o “consumo” da barbárie
Em sua coluna no Estado de São Paulo o jornalista Pedro Doria escreveu: “Toda a filosofia que temos para refletir a respeito de liberdade de expressão parte do pressuposto de que há uma barreira de entrada para alcançar um público grande...uma premissa que já não existe mais.” Elizabeth Noelle-Neumann descobriu os “núcleos duros”, que mesmo quando minoritários mantêm sua disposição de defender e expressar suas posições publicamente, ou seja, são imunes à Espiral do Silêncio, porque se veem como uma “vanguarda”.
O que acontece se combinamos “núcleos duros” com a inexistência de barreiras de entrada para a opinião pública? Se, em nome da liberdade de expressão, deixarmos que ideias associadas a crimes hediondos, como assassinato em massa, sejam disseminadas, sem o explícito repúdio da maioria, ainda que a título de “entretenimento” ou “curiosidade”?
O livro A Espiral do Silêncio. Opinião Pública: Nosso Tecido Social, de Elizabeth Noelle Neumann é uma obra essencial para quem quer encarar essas questões a partir de evidências empíricas. Estranhamente só foi publicado no Brasil em 2019, quase 40 anos depois da edição original.
Menos estranho, infelizmente, é que antes de chegar traduzido ao Brasil, já tinha sido usado por um dos mais conhecidos membros do “núcleo duro” do retrocesso entre nós: no youtube de Olavo de Carvalho, A Espiral do Silêncio (52K views. Mar 11, 2016).