Artigo: Sobre ser menina no Brasil

Escrevo esta coluna no mês de março, esse que é conhecido como o mês das mulheres e que suscita de diferentes formas questões importantes relativas ao campo de gênero. Em um ano como 2022, tão cheio de tensões políticas, econômicas e ambientais que parecem gerar novas urgências, invertendo a agenda de prioridades do dia a cada instante, ousaria dizer que a própria data do Dia Internacional das Mulheres se tornou um tanto apagada, ao menos entre as redes que acompanho. Pensando nisso, trago para pauta do mês pensar a condição do ser mulher no Brasil, pensando esse processo especialmente entre nós, as mais jovens. 

Ainda que com pouca evidência sobre o 8 de Março em si mesmo, ao longo do mês alguns avanços ocorreram no âmbito de leis que dizem respeito a direitos das mulheres e meninas brasileiras. Com grande atraso, a Lei 14.214/2021 foi finalmente aprovada, garantindo a instituição de um Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual que determina a distribuição gratuita de absorventes para estudantes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação de vulnerabilidade e presidiárias. Organizações de jovens mulheres como a Girl Up, movimento que busca fomentar o empoderamento e autonomia de meninas mundo afora, tiveram peso importante para retirada do veto do presidente ao projeto. Essa foi em massiva parte uma vitória política engendrada pela participação de meninas e mulheres, jovens ativistas e parlamentares, vozes ativas e engajadas na luta pelos direitos femininos. 

Na mesma direção de avanços legislativos, foi aprovado na Câmara dos Deputados um projeto de lei que retira a necessidade de consentimento do marido para que uma mulher faça uma cirurgia de laqueadura. Abrindo um precedente necessário para discussão de outras questões relevantes no âmbito da saúde reprodutiva e sexual de mulheres brasileiras, dadas as condições históricas, inclusive legisladas que nos afastaram e afastam de uma autonomia plena sobre nossos corpos, vidas e futuros. 

A imagem mostra uma jovem negra

Há de se lembrar que em 2020, após sofrer estupros por parte de seu tio, uma menina de apenas 10 anos grávida teve seu corpo e integridade violados sucessivas vezes também no processo de tentativa de acesso a um aborto, a partir do qual se livraria de riscos à sua saúde decorrentes da gravidez. Em um movimento ultraconservador e pretensamente fundamentado na “defesa da vida”, fieis evangéliques buscaram obstruir o direito da criança de acesso ao procedimento do aborto, com gritos de “assassina” em frente ao hospital em que a vítima se encontrava. 

Esse caso extremamente perturbador e a aprovação recente das leis citadas ilustram algumas das faces do pertencimento ao sexo feminino no Brasil. Quando em se tratando do ser uma jovem mulher, adolescente ou menina, esses processos se acentuam com níveis altos de vulnerabilidade e insegurança. Ser menina de modo geral no país é ter uma jornada permeada de obstáculos que interseccionam gênero, idade, além de raça, classe, região, entre outros aspectos que criam padrões de desigualdades em múltiplas dimensões. A pesquisa “A Educação de Meninas Negras em Tempos de Pandemia: O aprofundamento das desigualdades” produzida pelo Instituto Geledés, a cargo de exemplo, trouxe questionamentos importantes sobre a intersecção de gênero e raça quando o assunto é educação e pandemia. Sendo estudantes pretes e pardes aquelus mais afetados pela pandemia, qual o peso de gênero nessa equação?  

Projetos como o Girl Up, Absorvidas, De Mãos Dadas e Meninas Negras, dos quais jovens da rede de Jovens Transformadores Ashoka fazem parte têm sido relevantes ao mostrarem outros caminhos possíveis para o desenho de futuros das meninas e jovens brasileiras. Seja no acesso à dignidade menstrual, à educação sexual ou à capacitação para inserção digna no mercado de trabalho, meninas e jovens buscam de maneira propositiva e engajada sonhar outras possibilidades de existência realmente dignas em que tenhamos nossos direitos básicos assegurados.  

Ainda temos uma infinidade de passos para dar até a construção plena de um Brasil que abrace jovens mulheres e meninas em sua integridade. Que tenhamos mais meses de março e o próprio Dia Internacional da Menina pela frente como lembretes do todo trabalho que ainda há a ser feito, mas especialmente da necessidade de escuta e constituição de espaços de empoderamento de nossas vozes e potencial criativo, de um mundo mais equitativo. 

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