Uma breve história sobre as nano empreendedoras e o seu papel fundamental para o fortalecimento do afroempreendedorismo
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É impossível falar sobre afroempreendedorismo no Brasil sem falar das “nano empreendedoras”. Você deve estar se perguntando o que são e o que define uma nano empreendedora certo?
Nano empreendedores é a classificação que damos às lideranças a frente de atividades econômicas que muitas vezes nem estão bem estruturadas como um negócio, mas que geram alguma renda e é a base da complementação de renda de alguns núcleos familiares espalhados por todo Brasil. Outra característica desses nano empreendimentos é que eles estão extremamente ligados as vivências e heranças laborais dos indivíduos, como exemplo histórias de pessoas que lembram afetivamente de estar sempre perto das avós ou mães na beirada de um fogão e dali desenvolveram habilidades e adquiriram conhecimentos sobre gastronomia ou herdaram receitas deliciosas e maravilhosas que se tornam diferenciais de seus produtos… Deu até fome aqui!
Majoritariamente os “nanos” são representados pela persona de uma mulher negra, em alguns casos mães solo de dois filhos ou mais, vivendo em uma favela ou periferia das grandes metrópoles do Brasil. Como principal desafio elas tem o equilíbrio das contas X qualidade de vida, limitadas renda que vem de algum emprego próximo de um salário mínimo (talvez algo próximo de dois) oriundo talvez de alguns serviços de faxina e renda do seu pequeno empreendimento na área de alimentação como citei no exemplo. Outra questão muito afetiva para mim neste perfil é a questão da visão do investimento de qualquer rendimento vindo do “emprego/trabalho” ou do empreendimento é que a visão de como investir este em garantir mais acessos aos filhos a saúde e educação, bem como melhoria de suas casas e lazer é sempre evidente, como vemos nos dados que temos hoje em entrevistas e coletas que fazemos para o monitoramento da evolução das jornadas das empreendedoras. Cresci com minha mãe nesta mesma jornada.

Lembro de uma história que uma empreendedora contou uma vez numa roda de conversas, que falava sobre como eles (maridos e companheiros) sempre optavam por trabalhos fixos e formais, muitas vezes que recebiam semanal ou quinzenalmente como é o caso da construção civil e que tinham benefícios como a cesta básica e afins, o que era contemplado como sua contribuição na renda familiar e que tinham como objetivo cobrir o básico, já elas as mulheres e mães tinham outras prioridades como vestir bem os filhos, cuidar dos dentes, cortar cabelo e por ai vai, como ela disse em uma frase: “meu filho não vai no aniversário da filha da vizinha sem levar presente e de roupa de domingo. O povo fala mal, diz que a gente não cuida dos filhos e isso não aceito”.
Em 2019 iniciei um longo processo de pesquisa e curadoria para um projeto de “futuros” que estávamos desenhando para um parceiro, que tinha como temática central o futuro do trabalho e a transformação laboral na articulação com o empreender, este projeto acabou que foi adiado por causa da pandemia do COVID-19, mas a jornada valeu muito.
Historicamente como é sabido por muitos e esquecido por outros, nós a população negra do Brasil somos impactados diretamente por todo processo da escravização, somos também a camada populacional mais afetada pela crise da covid-19 sanitária e com certeza economicamente. A já existente ausência de direitos e acessos se agrava com a pouca efetividade do Estado em medidas reparatórias, e na construção de projetos que fortaleçam o estímulo à empregabilidade e ao empreendedorismo do nosso povo.

Eu já andava as voltas com a problemática do tema do empreendedorismo clássico e conceitualmente cristalizado e que claro traz conflitos de sua pouca representatividade de novos olhares, principalmente quando se trata da questão racial e dentro do universo do empreendedorismo. Lembro que estava tentando achar um ponto de partida para a pesquisa, algo que realmente me motivasse a abraçar essa ideia de pensar o trabalho no futuro para pessoas negras, periféricas
As nanos não são como como os empreendedores clássicos, suas motivações são muito diferentes e que muitas são simplificados ao confundi-las como empreendedores por necessidade ou subsistência, isso seria simplificar demais todo o propósito envolvido nessa jornada e os impactos genuínos que isso reflete na comunidade, pois grande parte do consumos das nanos é também da própria comunidade onde vivem e criam seus filhos, retroalimentando a economia destes ecossistemas e fazendo a retenção de recursos financeiros em circulação. Em termos absolutos, 14 milhões de negros possuem o seu negócio próprio e fazem circular em torno de R$ 359 bilhões em renda própria por ano.
Como disse bem Angela Davis: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela.”

Não consigo imaginar uma frase melhor para sintetizar essas reflexões e também para representar a potência e importância destas agentes econômicas e que nos faça refletir como elas estão todos os dias no corre para proteger, cuidar e prover futuros mais dignos.