Notícia: “Uma sociedade erguida com base na discriminação racial”

“Uma sociedade erguida com base na discriminação racial”

Debate desta terça-feira (04/08) discute o racismo estrutural presente na sociedade brasileira

Durante os quase 400 anos de escravidão, o Brasil recebeu cerca de 4,8 milhões de africanos escravizados, o maior número das Américas, de acordo com a plataforma Slave Voyages, “Viagens de Escravos”, em português. Além disso, o Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravidão, em 1888, há apenas 132 anos.

Um jovem negro está de braço esquerdo para cima e punho fechado. Ele está usando máscara de prevenção à Covid-19 e ao fundo há uma bandeira do Brasil
44% dos jovens negros de 19 a 24 anos não completaram o ensino médio, de acordo com dados do IBGE. (Foto: Sergio LIMA / AFP)

Mesmo após a assinatura da Lei Áurea, a população negra segue enfrentando duras estatísticas até os dias atuais: em 2018, a taxa de analfabetismo entre pretos e pardos era quase três vezes superior à de brancos, além de 44% dos jovens negros de 19 a 24 anos não terem completado o ensino médio, de acordo com dados do IBGE.

Para entender o cenário de desigualdades raciais que moldou a história do nosso país, o Debate desta terça-feira (04/08) discute o racismo estrutural presente no Brasil e suas ramificações nas mais diversas áreas, como educação, arte e cultura.

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Nessa edição, o programa recebeu convidados que não só conhecem e estudam temáticas raciais, como lidam com elas diariamente. O apresentador Cristiano Reckziegel conversou com a jornalista Flávia Oliveira e com a arquiteta e urbanista Joice Berth, sobre aspectos do racismo estrutural e o protagonismo de mulheres negras na luta antirracista.

Para falar sobre representatividade na arte e na cultura, a equipe ouviu a Carolina Anchieta, jornalista e assessora de diversidade da Secretaria de Cultura do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, e o ator, diretor e filósofo Rodrigo França. O Babalorixá e doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Rodney William também participou do Debate, trazendo o cenário da intolerância e do racismo religioso no Brasil.

O que é racismo estrutural?

Apesar de os pretos e pardos representaram 55,8% da população brasileira, em 2018, o grupo formava 64,2% dos desempregados, de acordo com o IBGE. O mesmo levantamento mostra que quase 70% das pessoas em cargos de gerência são brancas.

Essas e muitas outras estatísticas indicam que o racismo perpassa por todos os âmbitos da sociedade e, portanto, faz parte da estrutura do Brasil. “Nossa sociedade foi erguida com base na discriminação racial e na supremacia de um grupo em relação aos demais”, explica Flávia Oliveira.

“Nossa sociedade foi erguida com base na discriminação racial e na supremacia de um grupo em relação aos demais”

No fim de maio deste ano, o movimento “Vidas Negras Importam” ganhou força nas redes sociais e levou pessoas para as ruas de diversas cidades do Brasil.

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A mobilização surgiu no contexto do assassinato do americano George Floyd, nos Estados Unidos, e do menino João Pedro Mattos, no Rio de Janeiro. Ambos foram vítimas da violência policial, que afeta, principalmente, a população negra. As manifestações foram além desses dois casos e o movimento passou a evidenciar as consequências do racismo estrutural e a cobrar respostas das autoridades.

Foto da bela jornalista negra e sorridente Flavia Oliveira
Para a jornalista Flávia Oliveira o combate ao racismo estrutural vem ganhando escala nos últimos tempos devido aumento de escolaridade da população negra. (Foto: Acervo Pessoal)

“O século XXI tem sido de intensa disputa entre dois lados: um que sempre teve privilégios e luta de uma forma intensa e brutal para manter esses privilégios; e outro composto por grupos que, ao longo da história, vêm tentando combater o racismo estrutural e que ganharam muita escala nos últimos tempos, em razão de um aumento de escolaridade da população negra”, destaca a jornalista Flávia Oliveira.

Protagonismo das mulheres negras

Se os homens negros já sofrem diariamente com o racismo, as estatísticas mostram que essas opressões atingem as mulheres negras em uma escala ainda maior. Em 2019, segundo a consultoria I-Dados, mulheres brancas tinham salário 14% maior que o de mulheres negras, e homens negros ganhavam 13% a menos que homens brancos.

Foto de Joice, uma mulher negra de cabelo volumoso e encaracolado. Ela está de brincos dourados, batom vermelho e uma camisa branca de gola rolê
A arquiteta e urbanista Joyce Beth ressalta a diferença salarial: mulheres brancas tinham salário 14% maior que o de mulheres negras (Foto: Acervo Pessoal)

Vale ressaltar que esse estudo comparou pessoas com a mesma idade, escolaridade e área de residência. Ainda que mulheres e homens negros estejam em desvantagem, se comparados aos brancos, os dados do IBGE mostram que os homens negros ganharam cerca de 21% a mais que as mulheres negras em 2018.

“É sempre a mulher negra que está ali esmagada na base da pirâmide. Isso não significa que o homem negro não sofra, mas nós sentimos o peso triplo dessa divisão social”

Nos cargos políticos, as mulheres negras também são minoria: o Congresso Nacional tem 2,36% de suas parlamentares mulheres autodeclaradas pretas, pardas ou indígenas – 14 das 594 vagas somadas entre Câmara e Senado.

Nesse cenário político, Carolina Anchieta assumiu, em julho deste ano, o cargo de assessora de diversidade da Secretaria de Cultura do Rio Grande do Sul, estado com o maior registro de injúria racial do país em 2018, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Uma jovem mulher negra de cabelos loiros encaracolados, óculos de grau de armação preta e um leve sorriso sem mostrar os dentes

“A partir do momento em que uma mulher negra ocupa qualquer espaço que seja de decisão, de articulação, isso é muito potente, só pelo fato de uma criança negra se ver ali. Cada um que ascende é uma vitória para todos”, destaca a jornalista e assessora, em entrevista ao Debate.

Para a jornalista Flávia Oliveira, “é importante dar visibilidade e encarar mulheres negras como grandes agentes políticos e de transformação social”.

Racismo Cultural

Anchieta acredita que a arte tem um papel fundamental na luta antirracista, devido à sua característica libertadora e potencializadora de pessoas. “Quando a gente consegue incentivar o pertencimento na arte desde a infância, ela é transformadora não só para a pessoa, como para toda a sociedade”, destaca.

O ator, diretor e filósofo Rodrigo França é um dos que utiliza a arte como ferramenta de transformação social. “Contos negreiros do Brasil”, em que ele atuou, e “Oboró, masculinidades negras”, peça de Adalberto Neto que ele dirigiu, além de terem atores negros nos palcos,  também contaram com pessoas negras nos bastidores.

“É importante potencializar os profissionais negros de excelência que muitas vezes atuam como assistentes e nunca têm a oportunidade de assinar uma obra”, explica.

Uma mulher negra de brinco amarelo redondo onde há a palavra "negra" escrita e um turbante azul enrolando todo o cabelo
Nesses tempos de pandemia, as pessoas negras que trabalham no teatro têm sofrido ainda mais com a suspensão dos eventos porque a maioria são artistas independentes. (Foro: Cris Faga/NurPhoto)

O diretor contou para a equipe do Debate que alguns dos espetáculos lotaram salas de teatro e, mesmo assim, não recebem os devidos investimentos: “Contos negreiros do Brasil” teve mais de 60 mil espectadores ao longo de suas temporadas, por exemplo.

“Há um teatro hegemônico que recebe todos os patrocínios e, ao mesmo tempo, há um teatro que é um sucesso e que ainda funciona com investimentos do bolso dos organizadores”, destaca.

França alerta que, nesses tempos de pandemia, as pessoas negras que trabalham no teatro têm sofrido ainda mais com a suspensão dos eventos. “Se para os artistas e técnicos do teatro hegemônico, que é patrocinado, esse momento de pandemia é difícil, imagina para o nosso que funciona com recursos próprios?”, questiona.

As religiões são um outro componente importante da cultura brasileira e também são impactadas pelo racismo estrutural. “A intolerância religiosa é uma das faces do racismo no Brasil porque ela recai sobre as religiões de matriz africana”, aponta o babalorixá e doutor em Ciências Sociais Rodney William. Ele explica que a demonização das religiões de matriz africana é, antes de mais nada, a demonização da cultura negra no Brasil.

Um homem negro com roupas características de cultura africana está olhando sério para quem bateu a foto e com a mão direita encostando em sua própria boca e bochecha

“É por isso que além do candomblé, a capoeira, o samba e, mais recentemente, o funk também são perseguidos. Tudo que faz parte da cultura negra sempre foi perseguido” destaca.

“Tudo que faz parte da cultura negra sempre foi perseguido”

Educação é a solução?

Em 2003, passou a valer a lei 10.639, que tornou obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana nas escolas brasileiras. 17 anos depois, ainda há resistência e dificuldades na implementação da lei.

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A arquiteta e urbanista Joice Berth lembra que, nos seus tempos de escola, nunca aprendeu sobre a resistência do povo negro – e havia uma ideia de que a escravidão foi aceita pacificamente.

“A maneira mais fácil de manipular um povo é apagando sua história. Então, se mesmo após a lei 10.639 o ensino de história continua sendo eurocêntrico, os brasileiros não conhecem sua verdadeira história”, alerta Berth, que também é a autora do livro “O que é empoderamento?”.

Imagem de um protesto brasileiro. Dezenas de pessoas estão na rua segurando fotos, faixas e cartazes e o que está mais à frente da câmera que fez a foto diz "Vidas Negras Importam"
People demonstrate with a sign reading “Black Lives Matter!” against racism and Brazilian President Jair Bolsonaro, in Sao Paulo, Brazil, on June 14, 2020, amid the novel coronavirus pandemic. (Photo by NELSON ALMEIDA / AFP)

A jornalista Flávia Oliveira acrescenta que “a primeira experiência das crianças negras com o racismo é na escola. Seja em sala de aula, por discriminação dos próprios professores, ou no recreio, por injúrias e ofensas raciais, ou pela própria desigualdade aguda que afeta alunos que não têm condições financeiras, tecnológicas e outras”.

Pensando em melhorar esse cenário, Rodrigo França criou a peça de teatro O Pequeno Príncipe Preto, que em 2020 foi lançada também como livro infantil. Adaptado do texto do espetáculo, o livro conta a história de uma criança negra que viaja por diversos planetas para espalhar o amor e a empatia.

Um homem negro sorridente está segurando um livro e posando para a foto
O ator, diretor e filósofo Rodrigo França escreveu o livro infantil O Pequeno Príncipe Preto que conta a história de uma criança negra que viaja por diversos planetas para espalhar o amor e a empatia. (Foto: Acervo Pessoal)

“A literatura infantil no Brasil ainda é muito carente de personagens com aspectos de negritude. Então, quando surge o pequeno príncipe preto, ele retroalimenta a relação do autocuidado, da autoestima, importante para as crianças negras”, explica o autor.

Apesar dos desafios e da perversidade do racismo estrutural, França se mostra otimista para os próximos anos. “Eu acredito que o processo de transformação social é construído tijolo por tijolo. Não vai ser de repente, em uma sociedade que há apenas 132 anos supostamente aboliu uma escravidão.  Mas nós estamos ferozes, com sede de mudança”, pontua o ator, diretor e filósofo.

Você acompanha essas temáticas no Debate apresentado por Cristiano Reckziegel, que vai ao ar nesta terça-feira (04/08), às 21h, nas telas do Canal Futura, disponível também no Futura Play.

 

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