Artigo: Baforadas midiáticas: o papel da mídia na moda dos cigarros eletrônicos

Baforadas midiáticas: o papel da mídia na moda dos cigarros eletrônicos

Cigarros eletrônicos e mídia – uma questão de saúde pública

As redes sociais têm insistido em caminhar sobre o o mesmo rastro de destruição que o cinema impôs à saúde de muita gente. A 7ª arte, por décadas, glamurizou o cigarro e o ato de fumar. Elevou o cigarro ao panteão da cultura pop. Atualmente, alguns influencers, somados à falta de informação científica disponível na mídia, têm provocado o mesmo efeito com os vapes, ou cigarros eletrônicos.

O olhar melancólico e charmoso de Humphrey Bogart, debruçado sobre o balcão do Rick’s Café, entre um gole de whisky e uma baforada de cigarro, se provou quase irresistível para a audiência do século passado. Em Casablanca (1942), e outras produções de Hollywood, o ato fumar flertou com o puro fetiche; para além da fumaça, o gesto, a postura e o prazer eram superestimados na telona, em uma época de ascensão da indústria tabagista. O mesmo comportamento se seguiu com as armas; atirar com um revólver pareceu revigorante em filmes de faroeste.

Até a década de 1970, quando as campanhas antitabagistas cresceram e as informações científicas sobre os malefícios do cigarro começavam a chegar aos jornais, a indústria de cigarro pagou cachês para que artistas aparecessem fumando em filmes e até nas fotos de seus portfólios. Uma investigação americana concluiu que quase 200 atores e diretores foram pagos para isso entre 1978 e 1988.

Com o avanço da pesquisa científica, e o aperto de governos sobre a propaganda de cigarros (no Brasil uma lei de 1996 proibiu oficialmente até o patrocínio de eventos), a impressão que temos é que o tabagismo diminui. Ledo engano. Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), o tabagismo só não mata mais que o álcool no mundo – e continua sendo uma questão relevante de saúde pública.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e, sobretudo, mudam-se as mídias. Os cigarros eletrônicos – com seus cheirinhos florais e frutados – chegaram ilegalmente ao mercado brasileiro crescendo no mesmo terreno fértil sobre o qual o tabagismo se aproveitou. Em primeiro lugar, informações contraditórias e ainda inconclusas sobre seus benefícios em relação ao cigarro normal confundem a população, sobretudo os jovens, consumidores preferenciais. Isso porque uma pesquisa inglesa, que depois se mostrou insatisfatória no meio científico, sugeria que a nicotina (presente nos vapes) seria melhor para a saúde que os mais de 4.700 produtos químicos que um cigarro normal ostenta.

Hoje, pesquisadores norte-americanos e brasileiros afirmam que a nicotina dos vapes é mais concentrada e viciante. Além disso, os aromas (juices, como são chamados), ao serem queimados, geram malefícios semelhantes aos do cigarro. Em outras palavras, os vapes são, no mínimo, tão perigosos quanto os cigarros normais. Além disso, segundo INCA (Instituto Nacional do Câncer), o uso do cigarro eletrônico aumenta em três vezes o risco de tabagismo.

O segundo ponto da chegada do cigarro eletrônico ao Brasil mostra que as mídias continuam na mesma toada de estímulo ao consumo; mas hoje com força em algoritmos e redes sociais. Como estratégia, os fabricantes (muitos são os mesmos da indústria tabagista) estimulam canais do Instagram e Youtube a propagandearem os vapes e criarem bolhas informacionais em sua defesa – geralmente com argumentos inconclusos e imprecisos de que seriam uma “alternativa saudável ao tabagismo”. Alguns influenciadores digitais na faixa dos vinte anos, com milhões de seguidores, recebem produtos e passam então a conectar seus vídeos e fotos a lojas virtuais, que entregam o cigarro eletrônico do exterior aqui no Brasil. Trata-se de misto de desinformação e falta de ética.

O resultado é que mesmo proibido pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o cigarro eletrônico já é utilizado por um em cada cinco jovens brasileiros (entre 18 e 25 anos).

Já há mais de dezenove projetos de lei em análise no Congresso para regulamentação do cigarro eletrônico no Brasil – por força da indústria. Dentre todas as informações e pesquisas apuradas para esta coluna, há uma conclusão unânime: cigarros eletrônicos viciam e podem ser tão perigosos quanto o tradicional, pois aumentam o risco de infarto, de asma e o nível de colesterol ruim (LDL).

A narrativa tortuosa do cigarro eletrônico no Brasil explicita a relação íntima existente entre desinformação e qualidade de vida. Neste momento, gestores públicos devem atentos a três pontos: pesquisa científica acessível, controle ético das redes sociais e regulação do uso e consumo. Se há falha em algum deles, as escolhas dos cidadãos tornam-se perigosas.

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