O “home office” existe há séculos. E ele continua não sendo para todo mundo…
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Muito tem se falado durante a pandemia de Covid-19 sobre como a tecnologia permitiu a revolução do trabalho ao romper com as limitações geográficas por meio do trabalho remoto.
Entretanto, viajando um pouquinho no tempo para o período pré-revolução industrial, constatamos que as chamadas profissões acessórias – aquelas voltadas para atendimento às necessidades da população – já eram, em sua maioria, desempenhadas em casa. Seja na residência do próprio profissional, como era o caso de barbeiros, dentistas e serralheiros ou profissionais como parteiras e vendedores (antigamente chamados de caixeiros-viajantes) que se deslocavam até a casa de seus clientes para exercerem suas atividades.
Toda essa engenharia de funcionamento da vida laboral definiu a estrutura urbana das cidades. As casas já eram construídas considerando espaços destinados ao trabalho. Os cômodos que davam saída para a rua funcionavam como espaços intermediários das moradias, o que era fundamental para possibilitar a comunicação entre residentes e a clientela em potencial.
Essa volta ao passado que fizemos nos traz de volta para a forma como estamos lidando com o trabalho hoje. A globalização e o avanço tecnológico nos permitiu enquanto sociedade romper com estruturas corporativas fixas e fazer com que empresas pudessem contratar mão de obra de qualquer lugar do mundo sem que necessariamente essas pessoas precisem sair de suas casas para trabalhar.

Tal dinâmica teoricamente só não conseguiria se impor completamente sobre profissões que demandam contato direto com a clientela, como é o caso dos profissionais da área da saúde.
Posto isso, deixo aqui uma provocação: o trabalho remoto (ou home office, caso você prefira assim denominar) seria um estágio inicial da revolução do trabalho que nos levará ao chamado nomadismo digital?
Estou convicto que não e te explico os motivos.
Nômade digital é aquele profissional que não precisa de nada além de uma boa conexão com a internet para desenvolver o seu trabalho. Todas as suas demandas são recebidas de forma online e as entregas realizadas da mesma forma. O conceito vale tanto para profissionais autônomos quanto para funcionários registrados.
Home office ainda não é uma realidade para todos
Embora o home office tenha se “popularizado” durante a pandemia, o nomadismo digital ainda não é uma realidade para a maior parte da população brasileira por questões estruturais e de conectividade mesmo. Em primeiro lugar, o Brasil enquanto colônia tecnológica dos países do norte se consolidou como mero fornecedor de comodities e insumos para a produção tecnológica. Ou seja, ao contrário da China que se estabeleceu como potência no ramo em pouquíssimo tempo, nós ainda continuamos na base – bem na base – da pirâmide de produção. Mineramos e exportamos para depois reimportar essas mercadorias em forma de eletroeletrônicos.

Outro ponto a se pensar é que a rede de internet é indispensável para realização de funções básicas pertinentes ao trabalho. No entanto, o nosso país ainda possui uma rede bastante limitada de conexão em comparação a outros grandes países, premissa que dificulta e muito uma cultura de nomadismo.
Por fim, profissionais nômades digitais necessitam de acesso a equipamentos de qualidade e ainda assegurarem uma estrutura financeira mínima para enfrentar possíveis imprevistos com o equipamento. E a gente está falando aqui de um país em que uma em cada cinco pessoas não possui nem mesmo o mínimo de acesso à internet, galera!
Na minha humilde concepção enquanto pessoa que tem se debruçado sobre pesquisas em futuros, o trabalho no futuro e boa parte das profissões mais essenciais para o funcionamento da sociedade continuarão sendo exercidas da nossa boa e velha maneira analógica.
O home office veio aí, mas por enquanto só vai ficar no “home” de quem pode.