Notícia: “A arte não necessariamente precisa ser num suporte de tela.”

“A arte não necessariamente precisa ser num suporte de tela.”

Arte contemporânea como agente transformador

De René Magritti a Emicida. A professora Camila Nunes Rossato levou para a escola diferentes referencias artísticas para trabalhar arte contemporânea com os alunos do 9º ano da EMEF Professora Marina Melander Coutinho, em São Paulo (SP).

Mulher de cabelos cacheados está sorrindo pra quem bateu a foto
Atráves da arte contemporânea e performance, a professora Camila Nunes trabalhou com seus alunos bullying, racismo, saúde pública e diversidade. (Foto: Acervo Pessoal)

Camila propôs aos estudantes formar grupos para investigar a linguagem performática e usar seus próprios corpos como meio de expressão.  Os estudantes se aventuraram em performances artísticas, esquetes, vídeos e sequências fotográficas – todas registradas em mídia digital com celulares.

O projeto “Corpo Performático: imagens e palavras” permitiu que cada estudante caminhasse a seu modo para construir experiências estéticas e refletir sobre elas, além de ampliar discussões sobre racismo, saúde pública, bullying, entre outros temas. O projeto é um dos finalistas do Prêmio Educador nota 10 de 2020.

Futura: Como a arte pode ser uma potente ferramenta de transformação?

Camila Nunes Rossato: O projeto “Corpo Performático – imagens e palavras” pensa justamente nessa potência artística enfatizando a arte contemporânea. Eu tenho a impressão que a arte vai perdendo espaço na grade curricular à medida em que os estudantes crescem. Quando eles são crianças, a ideia do lúdico e do ser criador é muito presente. Mas, à medida que os anos passam, essa ideia vai se perdendo. Acredito que isso acontece porque vamos perdendo esse olhar do ser integral.

A arte nem sempre é vista nas escolas como área do conhecimento e, por isso, muitas vezes o potencial criativo dos alunos não é trabalhado. A arte é parte do processo da vida. Se você a deixar de lado, também deixa de atrelar esse processo artístico ao processo de vida. Os temas que usei dentro da sala, por exemplo, são atuais, cotidianos. Trabalhei junto com os estudantes a arte contemporânea.

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A arte vai perdendo espaço na grade curricular à medida em que os estudantes crescem

Camila Nunes

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Futura: O que é a arte performática?

CNR: A performance é um campo muito aberto. Com os estudantes, trabalhamos a presença do corpo na construção artística. Geralmente, o contato que temos com a arte é através de obras expostas em museus, galerias. Na arte performática, o corpo é parte integrante da arte. Nesse projeto, procurei trabalhar com os estudantes o corpo como suporte num trabalho artístico seja como improviso ou performance, por exemplo.

Futura: Como a arte performática pode combater questões vividas cotidianamente pelos alunos como racismo, depressão e diversidade, por exemplo?

CNR: A arte performática permite se observar por completo. E quando você desenvolver esse olhar para si fica mais fácil de combater questões como o racismo, por exemplo. Com esse projeto, muitos estudantes passaram a se enxergar como negros, por exemplo. Como eles tinham que pesquisar e criar ações performáticas eles começaram a vivenciar situações racistas que eles já tinham vivido e nem tinham se dado conta de que viveram experiências racistas. Além disso, eles também começaram a pensar sobre racismo estrutural e a desconstruir palavras racistas que eles mesmos usaram. Desse modo, é possível combater o racismo estrutural que existe em si e no outro.

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Quando você desenvolver esse olhar para si fica mais fácil de combater questões como o racismo

Camila Nunes

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Outro projeto também bastante interessante foi o de saúde de pública. Os alunos foram visionários! Eles começaram esse projeto em 2018 e concluíram em 2019, antes da pandemia, e a força motriz principal do projeto é a defesa do SUS, que hoje é amplamente comentada. Outro grupo abordou a ditadura militar. Os alunos abordaram não só pelo aspecto político, mas também de como a arte foi usada como ferramenta de combate à opressão naquele período.

Futura: Você costuma levar referências de artistas para suas aulas. Marina Abramovic, Eleonora Fabião, Emicida e René Magritte. Seus alunos se inspiraram nesses artistas para desenvolver o projeto Corpo Performático – imagens e palavras? Como é esse projeto?

CNR: Nosso ponto de partida era pensar no corpo performático a partir de várias modalidades da arte. Eu enfatizei os códigos da performance e trouxe duas artistas que são referências nessa área: a Marina Abramovic e a Eleonora Fabião.

Os alunos já tinham uma pesquisa que já estava sendo desenvolvida para o TCA (Trabalho Colaborativo Autoral, proposto pela prefeitura paulista).  E a partir dos temas que eles já pesquisavam, fui trazendo exemplos de trabalhos artísticos que tinham a ver com a temática que cada grupo estava pesquisando. E, assim, coletivamente desenvolvemos esses trabalhos artísticos de cada grupo.

Imagem de uma sala de aula, onde parece que tem um menino sofrendo um bullyng num canto enquanto outro menino o segura com as duas mãos
O projeto “Corpo Performático: imagens e palavras” permitiu que cada estudante construísse experiências estéticas e refletisse sobre elas, além de ampliar discussões sobre racismo, saúde pública, bullying, entre outros temas. (Foto: Acervo Pessoal)

Futura: Quais mudanças você notou nos seus alunos após este projeto? E em você?

CNR: Para os estudantes eu acho que foi muito importante eles pensarem que a arte não necessariamente precisa ser num suporte de tela. Os signos da arte contemporânea são bem difíceis de abordar num espaço escolar porque a gente esbarra em questões como “isso não é arte” ou “não tô entendendo o que você tá querendo fazer”.

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A arte não necessariamente precisa ser num suporte de tela

Camila Nunes

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Quando os estudantes foram se apropriando daquilo que eles faziam e eles conseguiam perceber o que eles estavam fazendo, eu acredito que isso promove um processo de transformação que gera impacto até hoje. Eles se perceberam como um corpo que não precisa seguir um determinado padrão para ter a sua beleza. O adolescente tem bastante dificuldade com relação a autoimagem. Quando eles se colocavam como vulneráveis e suporte da própria obra, era também uma chance de eles pensarem sobre questões de autoestima. Acho que o projeto proporcionou que cada um pudesse enxergar sua própria beleza dentro do processo criador.

Para mim, esse projeto foi um divisor de águas. Eu, particularmente, sempre achei que a arte performática ficava muito restrita ao grupo dos “entendedores da arte”, por assim dizer, sem permitir que mais pessoas pudessem compartilhar. No entanto, a partir dessa minha dificuldade, que eu pensei em abordar esse a arte contemporânea na aula. Então, eu fui me transformando junto com os estudantes. Eu gosto de estar aberta a esse campo de possibilidades enquanto professora.

Vários adolescentes estão sentados no chão formando uma roda de conversa
A professora Camila propôs aos estudantes da EMEF Professora Marina Melander Coutinho formar grupos para investigar e refletir sobre arte performática. (Foto: Acervo Pessoal)

Futura: Em tempos de pandemia, por conta do novo coronavírus, que sugestões e dicas você daria para as(os) colegas que se veem diante do desafio de trabalhar uma educação integral de forma remota?

CNR: Eu penso que não devemos ter pressa. Assim que o isolamento começou a se tornar uma realidade, vi muito material para o professor de como lidar e de como preparar a aula. Mas poucos materiais que se propõem a um diálogo e uma reflexão de que essa rede é formada por pessoas.

O primeiro passo acho que é o professor saber que ele não precisa dominar todas as ferramentas e tudo o que as plataformas oferecem e se perceber dentro dessa rede e refletir: ‘Qual é a maneira que eu prefiro me comunicar com os estudantes? ’ Seja um áudio, uma videoaula ou a criação de um personagem, por exemplo, é importante que o professor faça o que é confortável para ele. E, em seguida, se apropriar das ferramentas.

É isso que funcionou para mim, pelo menos. Estamos em coletivo, mesmo a distância e é preciso entender que o processo é feito por pessoas. E pessoas não são programadas e que a gente pode mudar o trajeto no meio do caminho, ir sentindo aquilo que funciona melhor e ter essa abertura de escuta dos estudantes, mesmo no ensino a distância.

Sobre o Prêmio Educador Nota 10

O Prêmio Educador Nota 10 foi criado em 1998 pela Fundação Victor Civita que, desde 2014, realiza a premiação em parceria com Abril, Globo e Fundação Roberto Marinho.

Reconhece e valoriza professores da Educação Infantil ao Ensino Médio e também coordenadores pedagógicos e gestores escolares de escolas públicas e privadas de todo o país.

O Prêmio tem o patrocínio da Fundação Lemann, SOMOS Educação e BDO, e o apoio da Nova Escola, Instituto Rodrigo Mendes e Unicef. Desde 2018, o Prêmio Educador Nota 10 é associado ao Global Teacher Prize, prêmio global de Educação.

Ao longo das últimas 22 edições, foram recebidos mais de 75 mil projetos, e foram premiados 241 educadores, entre professores e gestores escolares, que receberam aproximadamente R$ 2,6 milhões.

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