Notícia: “A escola precisa ser um lugar de acolhimento, de escuta, de respeito às habilidades e às individualidades”

“A escola precisa ser um lugar de acolhimento, de escuta, de respeito às habilidades e às individualidades”

Matemática e Construção civil. Esses foram os 2 elementos da equação criativa que o professor Luiz Felipe Lins apresentou a estudantes do 7º ano do Ensino Fundamental, na Escola Municipal Francis Hime, no Rio de Janeiro. O projeto Geometria e Construção levou Luiz a ser um dos 10 vencedores do Prêmio Educador Nota 10.

A construção de casas populares no bairro de Jacarepaguá, pelo programa Minha Casa, Minha Vida, gerou curiosidade na turma e, claro, motivou Luiz Felipe a pensar seu planejamento de geometria a partir de ambientes fora do espaço escolar.

Análise de plantas baixas, estudos com números e unidades geométricas, volume, massa, arquitetura, engenharia – tudo isso junto, misturado e vivenciado deu o tom das atividades dentro e fora da sala de aula.

Um homem de cabelo curto e grisalho está segurando uma maquete em uma sala de aula
Professor Luiz Felipe Lins segura, orgulhoso, uma das maquetes feitas por sua turma. (Foto: Ricardo Borges)

Futura: Como a escuta junto às(aos) estudantes te motivou a trabalhar a Matemática sob o ponto de vista da construção civil?

Luiz Felipe Lins: Eu parto do princípio que todas e todos os meus estudantes têm que aprender: não há exceções. Eles chegam com níveis de conhecimentos diferentes, então escuto suas expectativas de aprendizagens e procuro trabalhar para que aprendam, respeitando as individualidades e as dificuldades.

Este projeto surgiu justamente assim, escutando a turma. Foi quando percebi que a construção de um conjunto habitacional perto da escola tinha chamado muito a atenção delas e deles. Decidimos explorar essa curiosidade para trabalhar vários conteúdos de forma prática e interessante.

O objetivo do projeto era a construção da maquete de uma casa totalmente imaginada e planejada por eles. Mas para isso, eles precisavam passar por várias etapas de aprendizado, que foram sustentadas pelas seguintes ações pedagógicas:

Dividi a turma em grupos, levei um folheto de propaganda daquele conjunto habitacional, com a planta de um dos apartamentos e ensinei como desenhar uma planta baixa. Tudo isso já envolveu um bom aparato da Geometria, como escalas, unidades de medida de comprimento e a utilização de diversos instrumentos geométricos.

Perguntei a elas e eles a quantidade de piso que seria necessária para revestir a casa, o que nos levou ao cálculo de áreas de figuras planas e suas unidades. “Mas qual o custo disso?” Elas e eles também queriam saber quanto aquilo ia custar. Então orientei para que visitassem lojas da região e verificassem os preços dos diversos materiais necessários.

“Para demonstrar como todas as esferas de conhecimento são necessárias, e valorizar diferentes profissionais, como pedreiros, ajudantes, engenheiros e arquitetos, uma das tarefas foi entrevistar um deles e obter o orçamento da mão de obra, por escrito”

A partir disso tudo, cada grupo construiu a maquete da casa planejada. Foi quando percebemos diferentes estratégias para resolver os problemas específicos que cada construção tinha. Usei isso para as discussões durante as aulas, inclusive.

Matemática e construção

Todas e todos apresentaram seus trabalhos para a turma, com a maquete, os orçamentos em planilhas e um vídeo contendo todas as etapas. A minha ideia sempre foi usar esse trabalho também como instrumento para a formação geral delas e deles. Para aprenderem a trabalhar em grupo, ouvir vários pontos de vista, refletir sobre as opiniões dos outros.

Para finalizar, era muito importante refletir sobre tudo que foi aprendido, tomar consciência, se apropriar do conhecimento. Então pedi uma autoavaliação, apontando as dificuldades enfrentadas, as aprendizagens adquiridas e onde eles viram a aplicação da Matemática, de modo que percebessem o quanto aprenderam e quantas habilidades adquiriram.

Imagem da maquete do interior de uma casa, com banheiro, sala, cozinha e quarto
Uma das maquetes criadas pela turma. (Foto: acervo pessoal)

Futura: Qual é a importância e quais são as principais diferenças de se trabalhar os conhecimentos matemáticos estudando sozinho e em grupo?

LFL: Organizo sempre minha sala em equipes, onde cada uma(um) pode escolher seus grupos. Acredito que já na escolha que fazem, começam a refletir sobre com quem estão trabalhando e partilhando seus saberes. Se mudam de ideia sobre a escolha, escolhem outros pares para trabalhar na aula seguinte e vamos em frente.

O projeto visava desenvolver o espírito de trabalho em equipe, respeitando as habilidades individuais; e pontuar a importância de preservar o uso do bem material e do espaço de convívio escolar, evitando o desperdício de material, contribuindo na construção de um mundo sustentável com base em princípios éticos, democráticos e solidários.

A realização do Projeto pretendia também propiciar às(aos) estudantes um ambiente de socialização de informações e de colaboração, de modo a desenvolver diversas habilidades necessárias para a boa aprendizagem.

“Devemos socializar e colaborar. Quando estamos sozinhos, não podemos compartilhar nossas descobertas e dúvidas.”

Futura: A que você atribuiria a fama de “bicho-papão” que a Matemática carrega?

LFL: Precisamos ensinar olhando também para a vida ao redor das(os) estudantes, e nos questionar quanto à aplicação prática do que transmitimos a eles. Certamente, elas e eles valorizam mais os conhecimentos que sabem como usar. Mas nunca devemos deixar de mostrar que, para conhecimentos mais avançados, precisamos de uma Matemática mais sofisticada também. E os exemplos reais sempre ajudam muito: Como os efeitos de ondas em um filme 3D são produzidos? Existem, por trás daqueles efeitos, equações dificílimas de serem resolvidas.

Quero mostrar às minhas turmas que a Matemática nos ajuda a entender o mundo, e que usamos o mundo para entender a Matemática. Matemática e Construção. A escola precisa ser um lugar de acolhimento, de escuta, de respeito às habilidades e às individualidades. Um lugar para que todas e todos sejam felizes e possam desenvolver seus potenciais. Acho nós professores, devemos atuar tanto no conteúdo informativo quanto no formativo.

Foto da fachada de uma escola, com muros brancos e janelas azuis.
Para o professor Luiz Felipe, “a escola precisa ser um lugar de acolhimento, de escuta, de respeito às habilidades e às individualidades”. (Foto: acervo pessoal)

Futura: Que instrumento(s) avaliativo(s) você usa para aferir os conhecimentos da turma?

LFL: Aqui vão algumas das ferramentas avaliativas que costumo utilizar:

  • Autoavaliações;
  • Avaliações escritas, discursivas e objetivas;
  • Avaliações em duplas ou grupos;
  • Reflexão em conjunto sobre o planejamento e as ações desenvolvidas em cada bimestre. Ao final de cada etapa, analisamos os resultados e conhecimentos obtidos, a fim de validá-los (ou não) e prosseguirmos com as outras/novas ações;
  • Pesquisas, realização de projetos, etc.

Futura: Em tempos de pandemia, por conta do novo coronavírus, que sugestões você daria para as(os) colegas que se veem diante do desafio de trabalhar a Matemática de forma remota?

LFL: Com criatividade, explorando recursos que elas e eles têm à mão; com estratégias que possam ser resolvidas em suas próprias famílias também. Eu usei a receita de um pudim para ensinar Algoritmos e Fluxogramas para o 8º ano, por exemplo.

Utilizar os dados e as informações sobre a própria Covid-19, que estão presentes no nosso dia a dia, também ajuda muito: conceito de Estatística, Probabilidade e Modelagem, por exemplo. E podemos seguir: abordar o conceito de média móvel, propor pesquisas entre colegas via redes sociais, mostrar que se não fossem as parametrizações de dados, não seria possível saber o comportamento de uma cidade daqui a 1 semana, 1 mês…

“A minha ideia sempre foi usar esse trabalho também como instrumento para a formação geral delas e deles”

Imagem de um trabalho artesanal feito por crianças. São várias formas geométricas (cubo, retângulo, pirâmide) coloridas
“Quero mostrar às minhas turmas que a Matemática nos ajuda a entender o mundo, e que usamos o mundo para entender a Matemática”, diz o professor Luiz Felipe Lins. (Foto: acervo pessoal)

Sobre o Prêmio Educador Nota 10

O Prêmio Educador Nota 10 foi criado em 1998 pela Fundação Victor Civita que, desde 2014, realiza a premiação em parceria com Abril, Globo e Fundação Roberto Marinho.

Reconhece e valoriza professores da Educação Infantil ao Ensino Médio e também coordenadores pedagógicos e gestores escolares de escolas públicas e privadas de todo o país.

O Prêmio tem o patrocínio da Fundação Lemann, SOMOS Educação e BDO, e o apoio da Nova Escola, Instituto Rodrigo Mendes e Unicef. Desde 2018, o Prêmio Educador Nota 10 é associado ao Global Teacher Prize, prêmio global de Educação.

Ao longo das últimas 22 edições, foram recebidos mais de 75 mil projetos, e foram premiados 241 educadores, entre professores e gestores escolares, que receberam aproximadamente R$ 2,6 milhões.

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